Sinto-me por vezes sozinho. Vejo-me por vezes algo desiludido. Tenho procurado reflexão e companhia, interlocutores e ideias, espaço de acção e de inteligibilidade e reconheço que não tem sido fácil.

Sou liberal por convicção, vocação e educação e a verdade é que, para fora do meu círculo social e familiar mais íntimo, não consigo vislumbrar, quando observo o forum e a agora, manifestações estimulantes de pensamento liberal que me atraiam, que me cativem e que me motivem a participar na discussão.

Constato, pelo contrário, e com preocupação, uma tendência geral – embora difusa, diáfana e envolta num nevoeiro de novilíngua que amacia a realidade – para o fechamento do pensamento e do discurso políticos, que devagarinho parecem ir resvalando para o adensar de uma certa “claustrofobia democrática”, que se vai manifestando aqui e ali.

Manifestou-se, aliás, antes de António Costa ser primeiro-ministro, na forma como este sinalizou, com veemência, o estilo com que iria brindar no futuro a comunicação social menos alinhada; manifestou-se na virulência das acusações de anti-patriotismo com que foram agraciados alguns daqueles (poucos) que vão desfiando publicamente descontentamentos e reclamações a respeito do rumo governativo; manifestou-se, até, de forma anedotal (será?) no recente diploma legal que proíbe rissóis nos bares dos hospitais e que aqui já comentei.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não posso realmente insurgir-me, nem creio que alguém possa, contra o ritmo do crescimento económico, que tem sido efectivamente satisfatório. Posso e devo, creio que isso sim, rebelar-me contra a atribuição do Óscar da Economia ao actual primeiro-ministro e devo também continuar a dar testemunho a favor de um tecido económico desencostado do Estado e subsídio-imune e contra um Orçamento do Estado que adia a resolução de problemas estruturais, que aumenta o desequilíbrio das contas públicas e que, sem se arvorar propriamente em inimigo das empresas (valha-nos isso), despreza na prática o investimento e menoriza a importância do estímulo à iniciativa privada.

Sei bem que ser liberal não constitui adjectivação inequívoca; ela tem sofrido variações e cambiantes ao longo dos tempos e merece denotações e conotações também diversas consoante o ponto de observação esteja situado numa ou na outra margem do Atlântico. Mas sei também que é boa doutrina liberal, que subscrevo sem reservas, não competir ao Estado desenhar e construir a felicidade dos cidadãos – conhecemos demasiado bem as consequências, expostas pela História, desse equívoco de atribuições (que começa, de resto, na proibição do croquete e alarga-se, por ex., até às explicações públicas da falta de pernil na consoada).

Sei que o valor da liberdade é um valor supremo e que é ele, nas suas vertentes política, económica e social, a conditio sine qua non da garantia de verdadeiro progresso, de criação de riqueza, de igualdade de oportunidades e até de salvaguarda dos direitos humanos.

Sei, pois, na esteira de Russel e de Popper, que o condicionamento de opinião e de pensamento, bem como o condicionamento económico, redundam num Estado macrocéfalo, que é necessariamente abusador das liberdades públicas, preocupado que viva com a construção da felicidade e não da segurança, ordem pública, justiça, educação e saúde.

Haverá então, nestes tempos confusos, espaço para se ser liberal? Haverá interlocutores assumida e descomplexadamente liberais (como Passos Coelho tentou apresentar-se, até se permitir ser encurralado na demoníaca caixa neoliberal)? Será este verdadeiramente o tempo de Assunção Cristas? Ou de Paulo Rangel (autor da expressão “claustrobia democrática” a que recorri atrás)? Ou de Rui Rio? Ou de António Vitorino? Ou de Carlos Moedas?

Nestes tempos, em que António Costa se ufana da sua “boa companhia”, da qual não pretende abdicar, creio que todos precisamos de uma resposta urgente.