Dois mil e vinte e um chega com uma esperança anunciada: a produção e distribuição de milhões de vacinas COVID-19 no início do ano. É o anúncio de uma perspectiva de retorno a algum lugar que possamos reconhecer, de rotina interrompida por um vírus desconhecido, intransigente, letal.

A chegada da vacina contra o vírus SARS-CoV 2 é um momento de celebração da conquista e colaboração científicas. Nunca, como neste ano, assistimos a mudanças de paradigmas tão rápidas e evidentes até no modo como nos passámos a relacionar socialmente. Também o processo tradicional protocolado para a investigação e desenvolvimento de vacinas, mudou de forma inequívoca: o habitual período de quinze ou mais anos, que englobam os estudos exploratórios de investigação fundamental, as diferentes fases de ensaios clínicos, a posterior sequência de submissão dos estudos para avaliação pelas entidades internacionais reguladoras, e a produção efectiva da vacina, foi condensado em dezoito meses.  A rapidez não veio apenas da simplificação de processos de decisão inerente às situações de emergência, veio sobretudo do fenómeno de solidariedade global, veio da capacidade de interligação de equipas internacionais com conhecimentos, experiências, e políticas diversas, orientadas para um objectivo comum bem definido. Há em todo este processo um modo de funcionamento colaborativo pode ser transplantado para outras áreas de ordem social, económica, política e aplicado a quaisquer outras questões globais — como as climáticas, as ambientais, as energéticas, por exemplo. A resolução da pandemia através da criação de uma vacina num período tão curto, é o espelho das nossas competências enquanto grupo. Informa-nos sobre a nossa capacidade de actuação.

Há um potencial de liberdade quando se reconhece a nossa competência na resolução de qualquer crise, quando percebemos que mesmo diante de circunstâncias que nos constrangem, inovamos, para não nos submetermos. Fizemo-lo um sem número de vezes ao longo da nossa história, desde o cavalo de Tróia à resistência francesa,  ou à erradicação da varíola: eternos David diante de Golias.

A pandemia mudou o mundo. É um facto. A vida não voltará a ser a mesma. Passámos a ser vigiados, avaliados, monitorizados —  em alguns países mais do que noutros —  a sermos classificados e discriminados pela idade, pelas patologias, ou pela capacidade de resposta do nosso sistema imunológico. Mas também mudou a forma como nos amparamos, como colaboramos, e como sabemos que podemos decidir o mundo que queremos ter.

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