Os mais atentos aos últimos eventos que se têm vindo a desenrolar em Portugal não descurarão, certamente, a verificada escalada na polarização e na intolerância. Tendo a maioria identificado de imediato, e com bastante precisão, o adversário comum – o fascismo -, as manobras e atitudes de combate ao mesmo não beneficiaram de tanta celeridade e concertação.

Não me refiro apenas à polémica que opôs quase 20 coletivos e associações antirracistas à Frente Unitária Antifascista, relativamente às manifestações convocadas por esta, para o dia 16 de Agosto, mas principalmente à contraproducente e alienante aglutinação de causas e ideologias, que tem sido promovida por alguns coletivos criados com o intuito de combater causas isoladas, como a Frente Unitária Antifascista.

Querendo acreditar que a esmagadora maioria do nosso país é antifascista (isto é, opõe-se ao fascismo), naturalmente que poucas ou nenhumas dúvidas subsistiriam no momento de proclamar o apoio generalizado à causa antifascista. Porém, esta óbvia conclusão não me parece ter encontrado correspondência, pelo menos, em termos quantitativos. Isto deve-se, na minha opinião, a duas razões distintas, mas indissociáveis.

A primeira é o mediatismo conferido nos últimos tempos ao “coletivo” ANTIFA nos Estados Unidos da América, que ganhou grande relevância nos protestos, que ainda hoje decorrem, pela morte de George Floyd às mãos da polícia norte-americana. Não obstante os mesmos terem vindo a ser, na sua maioria, pacíficos, estes foram também marcados por situações de violência propagada pelas forças de segurança e pelos manifestantes. Estes últimos merecem-me uma especial atenção, dado o escopo deste artigo, visto que a vandalização de comércios, habitações, monumentos e combate às forças policiais foram imputadas ao tal “coletivo” ANTIFA, tendo o mesmo merecido repetidas referências por parte de Donald Trump e dos órgãos de comunicação social daquele país. Ora, pondo de lado a opinião de cada um de nós quanto a esse coletivo, certamente merecerá a concordância generalizada que, para a maioria das pessoas, demonstrações de violência e vandalismo são erradas e que a imputação destas aos ANTIFA constitui uma má publicidade para esse coletivo, má publicidade essa que depressa atravessou o Atlântico e chegou a território nacional.

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A segunda, bem mais importante, é a suprarreferida mistura de causas num combate que, à partida, deveria ter um adversário claro. Tal como nos Estados Unidos, os ANTIFA são associados à fação mais à esquerda na política, como o são em Portugal os coletivos e organizações antifascistas. Uma vez que a ideologia mais à esquerda (para efeitos deste artigo, por ideologia mais à esquerda refiro-me a quem se afirma abertamente como anticapitalista) aglomerará sensivelmente um quinto dos eleitores do nosso país, nenhumas dúvidas tenhamos, que os números de antifascistas no nosso país serão muitíssimo maiores. O grande problema, para mim, é que algumas organizações e coletivos que baseiam a sua atividade na defesa de uma causa ou no combate a um qualquer problema, como as organizações antifascistas (das quais destaco a Frente Unitária Antifascista, que tem sido a voz mais imponente e mediática nesse campo), têm vindo a, reiteradamente, colocar no mesmo saco a luta antifascista com a luta anticapitalista. Não são os únicos, outros coletivos imitam também esta prática, associando a luta antirracista ou o movimento feminista à sua narrativa anticapitalista. O capitalismo parece ser, para alguns, a razão para todos os males que advêm ao mundo e a razão pela qual o fascismo, racismo e machismo crescem.

Não sei se a razão para esta aglutinação de causas é inocente, motivada por uma crença ideológica, ou se é propositada, pretendendo assim aproveitar-se dessas causas para a promoção de uma outra. O que sei é que esta mistura de bandeiras é um fator determinante para a alienação de muitos que estariam de bom grado ao seu lado nas manifestações, sejam elas antifascistas, antirracistas ou outras. Demasiadas vezes li que alguém de direita não pode ser feminista ou que “ecologia sem luta de classes é jardinagem”.

Expliquem-me então se é expectável que alguém que não subscreva as teses anticapitalistas queira estar presente em manifestações onde a principal tarja diz “Núcleo Antifa do Porto – Os ricos que paguem”, onde se encontram cartazes com o texto “Não há luta forte contra o capital que se faça sem combate ao racismo e à autoridade estatal e policial”, manifestações estas organizadas por um coletivo, que nas suas contas das redes sociais diz coisas como “ (…) vamos então contabilizar quantos[SIC] mortes esta maravilha do capitalismo faz cada ano (…)” ou “OS RICOS QUE PAGUEM ● porque a exploração capitalista e o racismo estrutural não vivem um sem o outro (…)” (esta última citação provém da conta de Twitter do Núcleo Antifascista do Porto e não da conta da Frente Unitária Antifascista).

A estas organizações faço um apelo. Se pretendem verdadeiramente defender as valorosas causas que dizem defender e não simplesmente utilizá-las para promover outras agendas, procurem dissociá-las destas e assim ganhar o apoio de todos os que partilham a vontade de defender essas causas. Se não o fizerem, não se admirem com a apatia e falta de mobilização de quem não subscreve todas as agendas que promovem.