À primeira vista, os três elementos mencionados no título parecem não ter a mínima relação. No entanto, uma segunda leitura permitirá constatar a existência de uma relação assaz preocupante.

Assim, o Prémio Nobel, que premeia anualmente personalidades e organizações com contributos assinaláveis para a Humanidade, representou o último desejo de Alfred Nobel, o criador de várias centenas de invenções, designadamente a dinamite. A consciência de que o conhecimento por si criado tinha sido usado para causar tantas mortes incutiram nele um sentimento de culpa que o levou a deixar a fortuna para premiar quem trouxesse benefícios à Humanidade.

Quanto à bomba atómica, como Adriano Moreira não se cansa de avisar, o responsável do grupo de cientistas científico encarregado pelo governo dos EUA de estudar a questão atómica – o Projeto Manhattan –, depois do primeiro ensaio com êxito na Califórnia, avisou o Governo de que esse poder não poderia ser usado por qualquer país. Hiroxima e Nagasaki não demoraram a experienciar na carne que o poder político valorizou o conhecimento, mas recusou o aviso ético.

Relativamente à aplicação que António Costa quer colocar obrigatoriamente nos smartphones de todos os portugueses, a ideia, segundo o primeiro-ministro, passa por procurar avisar cada cidadão do risco que corre devido à presença próxima de alguém que o pode infetar com o coronavírus. Uma estratégia difícil de compreender partindo do princípio de que quem se regista na aplicação como infetado deve estar confinado e, logicamente, fora do convívio com os restantes membros da comunidade. Porém, esse é o menor dos males.

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Face ao exposto, não parece abusivo dizer que, na origem, as descobertas do cientista sueco e dos investigadores norte-americanos não representavam qualquer perigo e até eram passíveis de aproveitamento positivo, designadamente na medicina. O problema residiu na falta de relutância em usar o conhecimento colocado à disposição para fins eticamente condenáveis.

No que concerne à aplicação que António Costa faz questão de receitar aos portugueses para combater a pandemia, a montante e com alguma boa-vontade, é possível perceber algo de positivo na ideia, desde que acautelados todos os aspetos que se prendem com a proteção dos dados pessoais. Porém, a jusante, tal como nos outros casos mencionados, a aplicação pode ter efeitos muito nefastos. Desde logo porque é passível de alterar os mecanismos de pensamento e o consequente quadro concetual dos cidadãos. Levá-los a aceitar como fazendo parte da normalidade uma situação marcadamente anormal.

De facto, a instalação da aplicação pode criar nos portugueses a propensão para não questionarem as decisões do Governo e passarem a aceitá-las como fazendo parte da inevitabilidade. Por mais inconvenientes que sejam. Uma realidade tanto mais ameaçadora quando António Costa usou o sorriso para dizer que odiava ser autoritário, mas que tinha de o ser. Frase seguida de outra pérola de inculcação ideológica: “as medidas só são autoritárias se as pessoas não as fizerem já espontaneamente”. As bases do novo quadro mental estão lançadas. A obediência cega e acrítica por parte dos cidadãos. Algo ainda mais profundo do que a alienação que Hobbes preconizou para o Estado Leviatã.

Alfred Nobel, ao contrário de Harry Truman, sentiu-se culpado. A praxis governativa de António Costa faz acreditar que, no que concerne aos sentimentos, seguirá o exemplo do 33.º Presidente dos Estados Unidos da América.