A Educação tem sido, de todas as funções do Estado, a mais exposta à volatilidade das conjunturas sociais e a que mais tem sofrido as consequências do combate político e ideológico que, quotidianamente, acontece em Portugal.

Com a mudança de governos, muda (quase) tudo na Política de Educação: na requalificação das escolas, no investimento tecnológico, na formação de professores e na gestão da sua carreira profissional, na rede educativa, na educação e formação de adultos, nos currículos, na avaliação dos alunos, nos manuais escolares e em muitas outras dimensões da realidade educativa. Frequentemente, as alterações ocorrem mesmo durante o desenvolvimento do ano letivo, tornando quase imprevisível, em Setembro, se as regras do jogo se vão manter até Junho do ano seguinte. Quase não existe um único dia em que não saia uma nova regra ou uma diferente orientação, tornando o quotidiano da gestão das escolas um autêntico inferno decorrente da necessidade de ler e interpretar centenas de documentos formais e regulamentares. Em simultâneo, o quotidiano dos professores é um exercício de permanente alerta face à alteração, regular e inorgânica, das regras do jogo.

Nada disto se passa, com a mesma magnitude e frequência, nas outras funções sociais do Estado (Saúde e Solidariedade Social) e seria impensável que algo de semelhante acontecesse nas funções de soberania (Defesa, Segurança, Justiça, Diplomacia).

É neste, permanentemente conturbado e conflituoso, contexto que o sistema educativo português vai tentando cumprir o seu serviço público. Uma missão fundamental para o desenvolvimento do país e para o exercício da cidadania, mas dificultada, devido a conhecidos constrangimentos: (i) a intermitência das políticas educativas, decorrente da alternância de ciclos políticos; (ii) a ausência de tempo para que as políticas educativas possam ser concretizadas e avaliadas, incorporando o conhecimento daí resultante nas novas políticas que melhorariam as antecedentes; (iii) a necessidade de apresentar resultados quase imediatos; (iv) a preocupação de muitos responsáveis políticos apagarem a marca dos que os antecederam e deixarem a sua assinatura, ideológica e programática, na realidade educativa que tutelaram.

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Constatamos que, nas últimas décadas, o país progrediu em todos os indicadores que medem a qualidade do serviço público prestado pelo sistema educativo. Na realidade, Portugal tem exibido, em avaliações internacionais, progressos evidentes, que têm colocado o país em posições satisfatórias, nas tabelas que comparam os desempenhos dos sistemas educativos de países da OCDE e da União Europeia. No entanto, em muitos desses exercícios, certamente o país estaria mais bem colocado, se tivesse existido mais estabilidade e compromisso na política educativa. Os níveis de qualidade do sistema educativo português seriam bem melhores, se não tivesse existido tanta intermitência em políticas educativas básicas e estruturantes, nomeadamente: (i) a oferta vocacional e profissionalizante, nos ensinos básico e secundário, (ii) a requalificação do parque escolar; (iii) o Plano Tecnológico da Educação; (iv) a educação e formação de adultos; (v) o currículo dos ensinos básico e secundário; (vi) o sistema de avaliação das aprendizagens; (vii) a gestão e administração escolares; (viii) a formação inicial e contínua de docentes; (ix) os diversos programas de promoção do sucesso escolar; (x) a relação com os municípios.

No meio da, perturbada, circunstância política em que o sistema educativo sempre viveu, o que lhe foi valendo foram as Escolas, que se foram adaptando, como puderam, às diferentes direções, sentidos e velocidades das políticas educativas e, dessa forma, se assumiram verdadeiros pilares da estabilidade possível. As Escolas estruturaram os respetivos projetos educativos, assumiram, de forma crescente, margens de autonomia e capacidade de decisão, relacionaram-se, de forma mais interativa e mutual, com os seus territórios e comunidades, pensaram prioritariamente nos seus alunos e prestaram contas públicas do seu trabalho. Com esta postura, as escolas mitigaram o efeito perturbador das incoerentes políticas educativas e focaram-se na principal finalidade do sistema educativo: garantir quantidade e qualidade máximas, no exercício do direito à Educação, por parte dos portugueses que a elas recorrem para se qualificarem.

É legítimo que os partidos políticos apresentem os seus programas eleitorais e que, neles, indiquem as suas orientações e prioridades para a Educação. É legítimo que, uma vez sufragados pelo voto, esses programas eleitorais se vertam em políticas educativas concretas. Mas, esta legitimidade deve ser concretizada, reconhecendo-se o papel de três dimensões básicas, em tudo o que respeita à Educação: o conhecimento, o bom senso e o tempo.

Na Educação em Portugal, não se dá valor ao conhecimento que decorre da investigação científica que se tem vindo a fazer, em áreas estruturantes, como são as Ciências da Educação, a Psicologia, a Tecnologia, a Sociologia, a Gestão ou as Neurociências, só para dar alguns exemplos. No desenho das políticas educativas tem mais peso a orientação ideológica ou a tática política do que a ciência.

Na Educação em Portugal, nos processos de pensamento e decisão, não se consideram, de forma sistemática e assumida, os contributos da avaliação dos resultados das políticas educativas que se pretendem alterar. O sentido da mudança é mais orientado pelo farol político do que influenciado pela medição e análise, objetiva e participada, dos resultados de anteriores políticas educativas.

Na Educação em Portugal, quase nunca se procura o compromisso que permita a participação nas decisões, a estabilidade das soluções, a regularidade da monitorização e a responsabilidade de apresentar resultados. Quase sempre se decide em oposição a algo ou a alguém e, quando a circunstância se altera, ocorre uma reação simétrica.

Na Educação em Portugal, não há tempo para nada: não há tempo para pensar, para aprender com os que estão no terreno, para recolher contributos dos que têm experiências consolidadas, para conhecer as boas práticas e considerar o conhecimento que elas proporcionam, para avaliar os resultados do que está a ser feito, para conhecer e interpretar os resultados dos estudos nacionais e internacionais, para construir compromissos políticos e sociais que antecedam as decisões mais estruturantes, para informar e formar antes de exigir, para envolver os protagonistas, para gerar confiança e para dar estabilidade. Não há tempo e, portanto, tudo muda, de repente e com impulso ideológico, em cada ciclo político.

Se cada responsável político, com capacidade de influência no sistema educativo, inspirasse e contasse até 1000, antes de tomar aquelas decisões que alteram tudo, a Educação em Portugal sairia beneficiada, as escolas e os professores agradeceriam, o ano letivo começava e acabava com as mesmas regras, as famílias sentiriam mais confiança e os indicadores de desempenho medidos, nos estudos internacionais, colocariam Portugal mais perto dos países com melhores resultados, porque é aí que o país poderia já estar.

A Política de Educação, em Portugal, deveria deixar mais em paz os professores, os estudantes, as escolas e as comunidades educativas e cultivar mais o, necessário e saudável, hábito de avaliar, consensualizar, decidir e acompanhar as consequências das decisões que se deveriam tomar de forma mais informada e participada.

Professor Associado com Agregação da Universidade de Évora; Ex-Deputado à Assembleia da República pelo PS.
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.