Reorganizar as Forças Armadas é de imediato, e primeiro que tudo, avaliar de forma independente o EMGFA, incluindo os processos de planeamento, de coordenação e de decisão político-militar com o MDN, e demonstrar que o CEMGFA tem o seu estado-maior e centro de operações conjunto qualificado e certificado nacional e NATO.

Reorganizar as Forças Armadas é, em segundo lugar, enumerar quando foram realizados e (no que for possível) tornar públicos os relatórios de avaliação da prontidão genética dos ramos entregues ao MDN pelo CEMGFA, como competência fundamental deste, e os consequentes despachos ministeriais.

A ideia em título, derivada da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 84/XIV, reflecte a fundamentação política para a pretendida reorganização da estrutura superior das Forças Armadas. Dela se infere que, na visão política, ou talvez mais acertadamente na visão político-militar se considerarmos o inevitável aconselhamento do actual CEMGFA, a melhoria do produto operacional depende de capacidades conjuntas e de uma efectiva arquitectura de comando conjunto. É verdade se não for permanente, mas também não é tudo, nem sequer o fundamental, não devendo ser por aí que se deve começar.

A reorganização pretendida, para ser efectiva em termos de produto operacional, isto é, na melhoria tanto no âmbito como no potencial das valências militares e na capacidade de as empregar de forma coerente, entrosada e sincronizada, não tem a ver, à partida, com a estrutura de forças conjuntas.

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Para um melhor entendimento do problema, na realidade só existem forças conjuntas quando é definido um objectivo estratégico militar. Até lá, as forças cumprem o seu ciclo permanente de aprontamento a nível dos ramos que deve ser autónomo, de acordo com a filosofia de emprego de cada tipo de forças: aéreas, navais e terrestres. A partir da activação dos mecanismos de defesa militar pelo Governo, o comandante operacional inicia então o seu planeamento no que é acompanhado pelas componentes dos ramos, em paralelo. Depois, para cumprir as linhas de acção que permitirão atingir os diversos objectivos operacionais do plano, que convergem para o objectivo estratégico militar, o comandante operacional selecciona o grupo de forças necessárias, maior ou menor conforme as ameaças a conter ou eliminar. São essas forças que adquirem então o estatuto de forças conjuntas. Podem ser poucas ou até podem ser todas no caso de uma agressão militar directa, mas a ideia mais importante a reter é que normalmente não existem forças conjuntas estruturadas/ permanentes.

Recordo que, desde o 25 de Abril, apenas uma vez se activou uma pequena força conjunta para resgatar cidadãos nacionais e estrangeiros que estavam em perigo na Guiné-Bissau durante o golpe de Estado para derrubar o presidente Nino Vieira. Fora esta situação, têm existido numerosas participações de forças nacionais no exterior, mas sempre atribuídas a outros comandos conjuntos para quem o CEMGFA transfere o respectivo nível de autoridade: no âmbito da NATO, da ONU ou da UE.

Nestes termos, o produto operacional começa por depender essencialmente do sistema de forças que for possível aprontar e é uma questão resolvida única e exclusivamente a nível dos ramos. Insere-se no âmbito da genética das capacidades militares o que tem de ser feito de acordo com as especificidades técnicas e de emprego de cada uma. Por isso, o aprontamento de capacidades no âmbito terrestre deve ser efectuado pelo Exército, o de capacidades aéreas pela Força Aérea e o de capacidades navais e anfíbias pela Marinha. Os ramos são os melhores centros de excelência para as capacidades militares que lhes estão atribuídas. Não são matérias que devam ser tratadas por estruturas multidisciplinares como o EMGFA, nem deve competir ao CEMGFA advogar as questões com elas relacionadas junto do MDN. O CEMGFA, em função do seu ramo de origem, não será, certamente, o elemento melhor qualificado para defender as questões genéticas associadas às capacidades dos ramos a que não pertence. Por exemplo, não se vislumbra qualquer razoabilidade, no caso do CEMGFA ser um general da Força Aérea, assumir responsabilidades sobre prioridades relacionadas com as capacidades navais ou terrestres.

Posto isto, o maior problema é, à partida, garantir que as capacidades militares atribuídas a cada ramo dispõem do necessário efectivo para as operar, estão tecnicamente actualizadas, mantêm-se permanentemente prontas ao nível táctico e a sua sustentação está garantida nos termos que forem aprovados. Deverá competir ao comandante de cada ramo pugnar junto da tutela pela atribuição dos recursos aprovados para que estes processos sejam exequíveis. O CEMGFA, na sua qualidade de conselheiro do MDN, tem também um papel muito importante, mas na validação e prioritização dos recursos que nunca serão totalmente suficientes como se tem verificado.    

Assim, a genética das capacidades militares não deve ser associada à estrutura superior das FFAA, nem o CEMGFA deve passar a ser o comandante do Exército, da Força Aérea e da Marinha que é o que a legislação proposta vai facilitar e por último impor. De facto, quando os chefes dos ramos passarem a subordinados do conselheiro da tutela sem que a operação militar conjunta seja um facto real, a visão do CEMGFA adquire inevitavelmente um nível que o qualifica automaticamente como comandante efectivo de qualquer dos ramos, criando indiretamente uma estrutura permanente de forças conjuntas.

A reorganização proposta, pressupondo envolvimento do CEMGFA a nível táctico (dos ramos), vai contra o princípio da descentralização da execução. Não é adequado que o comandante operacional se preocupe com o comando e controlo dos batalhões, das esquadras aéreas ou de forças navais.

Exponho duas ideias objectivas para melhorar o produto operacional. A primeira, relaciona-se com a formação e treino dos níveis operacional e estratégico. Se amanhã for necessário accionar a defesa militar do país, os processos de planeamento, de coordenação e de decisão político-militar certamente que não estão suficientemente preparados para enfrentar uma emergência dessa dimensão. Tendo em conta a célebre máxima, combate-se como se treina, é necessário simular para exercitar o EMGFA com os comandos de componente, incluindo também o MDN, e tudo dependerá do realismo com que se faça tudo isso. Durante a carreira militar tive oportunidade de participar em exercícios com QGs conjuntos e comandos de componente e aprendi a importância da simulação credível para qualificar e certificar QGs e estados-maiores em operações conjuntas. Para fazer diferente e melhor a nível da estrutura superior das FFAA, investiria na certificação obrigatória dos níveis operacional e estratégico militar, efectuando exercícios assentes na simulação com as novas tecnologias.  

A segunda ideia incide nas responsabilidades dos comandantes quanto à genética dos respectivos ramos. A prontidão conseguida deve ser permanentemente avaliada como uma clara competência do CEMGFA, pelo que melhorar a legislação implicaria clarificar a sua responsabilidade inspectiva sobre a prontidão das capacidades militares de cada ramo e a imprescindível comunicação dos resultados obtidos ao MDN.