“Onde é que estavas? Anda toda a gente à tua procura!” Quando ouvimos algo assim sentimos, com um calafrio, que o mal recente do mundo é culpa nossa. É como se a nossa ausência tivesse precipitado o Universo num desastre para o qual o nosso pedido de desculpas pelo atraso será certamente insignificante. Sinto-me consolado quando me recordo que até Cristo passou por isto — mais ainda: ele tinha uma prática frequente e assumidíssima da ausência.

Se Jesus que era Deus fugia do mundo, nós que somos apenas pessoas também não deveríamos fazer o mesmo? A maior parte das vezes as pessoas que fogem do mundo são vistas como a fazer a coisa errada, quando fugir do mundo é uma formidável imitação de Deus. Valeria até colocar a questão do outro lado e afirmar que não devemos confiar em quem nunca é acusado de fugir do mundo.

Fugir do mundo é uma condição fundamental para quem quiser ser-lhe útil. Houve alguém mais útil ao mundo do que Jesus? Claro que não (e isto tendo em conta que foi o próprio Jesus que o fez). E aí fica a lógica apresentada: quem quer mostrar alguma amizade pelo mundo tem de aprender a saber fugir-lhe nas horas certas. Quem nunca foge do mundo não lhe trará qualquer vantagem.

Tenho vivido com dificuldade este regime da fuga apropriada do mundo. Para poder responder às minhas responsabilidades diante dele (família primeiro, igreja depois, amigos e tudo o resto de seguida), tento fugir-lhe em oração e exercício físico. No fundo, há no esforço do corpo uma semelhança mais ou menos óbvia com o esforço do espírito: ambos procuram momentos em que não somos procurados pelos outros.

Mas são precisamente os outros que me acusam de fugir demasiadas vezes—no fundo, o mundo que quero servir. De acordo com esse mal-estar, não respondo no tempo e na intensidade certa: fundamentalmente, demoro. Mas não olho para a demora como um problema, vejo-a mais como solução. Resumindo: demorar é, na prática, a aceitação de que estar bem no mundo é também saber fugir-lhe.

A única garantia que sinceramente podemos dar a quem de nós cria expectativas de resposta é a demora. A demora, não como desinteresse, negligência ou atraso. Mas a demora, como o resultado sincero de que, para qualquer encontro real acontecer, a arte de fugir tem de ser praticada. Praticar a minha ausência, procurando não ser procurado, é o que me permitirá na hora certa acolher quem de mim precisa.

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