Face à volatilidade das políticas educativas e às consequentes e rápidas mudanças que coagem as escolas e os professores a mudar os seus comportamentos e modelos de trabalho, os professores portugueses têm sido de uma resiliência extraordinária e têm realizado um trabalho de grande mérito, em relação ao qual a sociedade, globalmente, tem mostrado pouco reconhecimento. Concretizando, os resultados do segundo inquérito Teaching and Learning International Survey(TALIS), realizado pela OCDE em 2013 e no qual participaram 34 países, evidenciam que os professores portugueses passam em média (i) mais horas por semana a ensinar (21 horas), (ii) mais horas por semana a planificar e a preparar as aulas (9 horas), (iii) mais horas por semana a corrigir e classificar os trabalhos dos alunos (10 horas), (iv) mais tempo por semana a pôr ordem na sala (15,7%) do que a maioria dos professores dos outros países participantes. Contudo, mais de 94% dos professores declararam estar globalmente satisfeitos com o seu trabalho, apesar de apenas cerca de 10% acreditar que ser professor é uma profissão valorizada na sociedade (OECD, TALIS 2013 – Country profile – Portugal).
Por outro lado, os resultados dos alunos portugueses em estudos comparativos internacionais, como o TIMMS e o PISA, têm revelado sucessivamente uma tendência de melhoria. Relativamente ao PISA, temos subido claramente nas três literacias avaliadas (Matemática, Ciências e Leitura), estando acima da média da OCDE em Ciências e em Leitura e na média em Matemática (CNE – Estado da Educação 2016). Nenhum outro país conseguiu uma evolução tão favorável nas três literacias avaliadas desde que se iniciou o PISA em 2000 (realiza-se um ciclo do estudo a cada 3 anos; em 2018 ocorrerá novo ciclo), o que é revelador de uma importante e consistente melhoria nas aprendizagens dos alunos portugueses. Certamente que os professores merecem uma boa quota-parte do mérito desta evolução no desempenho dos alunos nacionais, conseguindo resultados comparáveis e até mais elevados do que os alcançados em países com condições socioeconómicas e culturais mais favoráveis.
Há, no entanto, relativamente aos professores, algumas preocupações e desafios que vale a pena analisar e refletir, particularmente em relação à renovação do corpo de docentes e à sua formação.
Analisando os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Educação na publicação Estado da Educação 2016, torna-se evidente que o corpo docente das escolas públicas portuguesas está envelhecido e que, nos próximos 10 a 15 anos, as aposentações irão ocorrer de forma massiva. Tendo como referência o ano letivo 2015/2016 e apenas as escolas públicas do continente, constata-se que 45,7% dos professores e educadores têm 50 ou mais anos e apenas 0,4% têm menos de 30 anos.
É, pois, necessário preparar a renovação do corpo docente de forma progressiva, capitalizando a experiência e os saberes profissionais dos mais experientes na formação e indução dos mais jovens, porque, como refere Arnold Glasgow, “o problema com o futuro é que normalmente chega antes de estarmos preparados para ele”.
Contudo, os dados disponibilizados pelo PISA 2015 também evidenciam que a profissão de professor é muito pouco apelativa para as novas gerações, apenas 1,5% dos jovens portugueses com 15 anos equacionam seguir uma profissão ligada à educação e estes encontram-se sobretudo entre os alunos com mais fracos resultados. Este é, de facto, um problema sério para o sistema educativo. A exigência e a complexidade da profissão, bem como a responsabilidade da preparação das novas gerações exigem que se consigam recrutar os melhores. Os dados do acesso ao ensino superior tornam evidente que atualmente não o estamos a conseguir fazer e que ainda temos um longo caminho a percorrer para reverter esta situação, mesmo havendo vontade política para o fazer e investindo esforços e recursos substanciais na melhoria da imagem pública da profissão docente e na mudança para uma perspetiva de carreira que seja aliciante e remunerada de forma justa.
Os modelos de formação inicial de professores e educadores também devem merecer a nossa reflexão. Centro, porém, esta minha reflexão num outro ponto. Os professores e educadores que formamos hoje podem ficar no sistema nos próximos 40 anos! Assim como já ficaram os seus professores… Como será o mundo daqui a 40 anos? Que alterações políticas, sociais, económicas, laborais, ambientais e tecnológicas ocorrerão? As escolas não são ilhas sociais e a educação tem que acompanhar a mudança e a evolução das sociedades, portanto, decidir ser professor é assumir um compromisso com uma aprendizagem ao longo da vida.
A formação inicial dos professores constitui apenas o primeiro passo do seu desenvolvimento profissional, o qual irá continuar ao longo de toda a carreira, onde a experiência refletida e partilhada e as oportunidades de formação contínua assumem um papel essencial. Isto é, o desenvolvimento profissional do professor tem de ser entendido de forma mais abrangente e, para isso, é fundamental que se melhore significativamente a inter-relação entre a formação inicial e a formação contínua (tradicionalmente divorciadas), com o objetivo de criar um sistema de aprendizagem e formação de professores mais global, integrado e coerente (OECD, 2005). Acrescente-se, ainda, que é esta a forma de perspetivar o desenvolvimento profissional dos professores e educadores que integra a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86 de 14 de outubro), particularmente na redação do n.º 3 do artigo 35.º: “A formação contínua é assegurada predominantemente pelas respetivas instituições de formação inicial, em estreita cooperação com os estabelecimentos onde os educadores e professores trabalham.”
Portugal tem condições únicas para potenciar um sistema desta natureza. Dispõe de uma rede de ensino superior (universitário e politécnico) disseminada por todo país, incluindo escolas de formação de professores que têm relações privilegiadas com os agrupamentos de escolas e as escolas não agrupadas das suas regiões e que seria fundamental aprofundar para constituir um sistema de formação de professores mais integrado. Um modelo de formação desta natureza potenciaria tanto a formação inicial de professores e educadores, mobilizando os saberes profissionais dos mais experientes e a formação mais centrada nos contextos de trabalho, numa perspetiva investigativa e de interação constante entre a dimensão prática e a dimensão teórica da formação, a indução profissional dos professores e educadores recém-chegados ao sistema e, ainda, a formação contínua dos professores e educadores em exercício, numa perspetiva contextualizada, colaborativa, reflexiva, sistemática e transformativa. Refira-se, a título de exemplo, que o sistema educativo finlandês, um dos sistemas educativos mais bem sucedidos, tem vindo a operacionalizar este tipo de modelos integrados (por exemplo, o projeto Osaava Verme).
Temos a estrutura e os recursos, haja a ousadia e a vontade política para os rentabilizar a favor do progresso da educação em Portugal, porque a qualidade do sistema educativo não pode exceder a qualidade dos seus professores (Barber & Morushed, 2007).
Professor Adjunto e Diretor da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Portalegre
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.