O Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC) pretende ser um instrumento de combate à pobreza e à exclusão social no âmbito das políticas públicas. É, por isso, caricato quando nos deparamos com uma citação de Madre Teresa de Calcutá que consta da página de internet do Programa, precedendo o texto de enquadramento institucional.

Sem sombra de dúvida, o POAPMC tem sido uma mais-valia para compensar algumas necessidades alimentares dos cidadãos que são seus beneficiários, contudo tem ficado muito aquém do que deve ser a resposta efetiva aos objetivos do programa, financiado por fundos estatais nacionais e pela União Europeia.

Desde a implementação do POAPMC têm sido detetados inúmeros constrangimentos, que não são aceitáveis no quadro de um Estado de direito, designadamente:

  • Os cidadãos enquadrados no Programa recolhem os produtos em pontos de distribuição identificados, o que se traduz numa exposição potencialmente estigmatizante;
  • A distribuição dos bens alimentares é feita em horário laboral e durante a semana, o que dificulta a compatibilização com a atividade laboral dos utentes;
  • Os utentes sem viatura própria têm dificuldades em proceder à recolha dos alimentos, recorrendo frequentemente à deslocação com pessoas amigas, táxis ou transportes públicos;
  • A relação com o Programa apenas pressupõe a recolha de alimentos, o que configura uma forma de apoio profundamente assistencialista e arcaica, não havendo acompanhamento social específico e em nada promovendo competências e a autodeterminação dos cidadãos;
  • Os produtos alimentares fornecidos não são definidos de acordo com os diferentes regimes alimentares, dietas dos utentes, opções culturais, ou gostos pessoais;
  • Alguns utentes têm dificuldades no armazenamento e conservação dos produtos fornecidos, especialmente dos congelados;
  • Desde setembro de 2021 tem havido ausência de distribuição de vários produtos básicos, entre quais leite, atum, arroz, massa, feijão, grão, bolachas, cereais, azeite, pescada, tomate, entre outros.

Estes aspetos não são novos nem tão pouco desconhecidos, pois quem lida direta ou indiretamente com o POAPMC, nomeadamente os profissionais, os cidadãos considerados beneficiários, as entidades distribuidoras, o Instituto da Segurança Social têm conhecimento destas dificuldades e constrangimentos, mas a medida não tem tido alterações.

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Se podem ser apontadas críticas negativas ao Programa, devemos concentrar-nos sobretudo nas respostas aos problemas identificados na operacionalização do POAPMC. Ainda que não seja panaceia para tudo, em diversos países da Europa têm sido experimentadas alternativas que têm mostrado resultados positivos. Podemos referir um programa de cartão/voucher que é implementado desde 1996 na Bélgica, existindo também outros programas similares em países como a Itália (2008), a Espanha (2017) a Lituânia ou a França. Havendo exemplos de boas práticas, estas devem ser analisadas e pensadas como alternativas em Portugal. Estes programas foram objeto de avaliação, podendo-se identificar algumas vantagens que merecem ser mencionadas:

  • Potencia uma maior sensação de dignidade, autonomia, confiança e uma redução de estigma em comparação com os métodos tradicionais de apoio alimentar em espécie;
  • Permite um melhor e maior acesso a produtos alimentares e outros produtos básicos aos cidadãos em privação material;
  • Potencia maior produtividade laboral dos utilizadores de programas alimentares com “cartões sociais” e um maior envolvimento a nível educacional das crianças;
  • Existe um maior interesse no uso de cartões sociais em comparação com outro tipo de apoios alimentares convencionais;
  • Permite utilizar recursos “poupados” em prol dos beneficiários, dada a libertação de alguns procedimentos burocráticos em regimes de apoio alimentares normalmente utilizados;
  • Redução de custos administrativos/gestão, transporte e armazenamento dos bens, o que permite uma maior eficiência e eficácia;
  • Impacto positivo na economia local.

A aversão às transferências sociais em capital parece ser um preconceito generalizado que tem contaminado as políticas públicas. A opção por transferir bens parece sempre mais aceite do que transferir valor que se converterá em bens, o que traduz um olhar preconceituoso sobre a condição de pobreza. No entanto, a introdução de medidas similares às referidas atrás, implementadas internacionalmente, tarda. Em 2020 o Tribunal de Contas, através de uma auditoria e respetivo relatório de 168 páginas, emana um conjunto de observações e de recomendações sobre este Programa. Uma dessas recomendações foi a implementação dos chamados “cartões sociais”, tendo esta sido vertida na portaria Portaria n.º 48/2022, de 20 de janeiro. Apesar de a legislação referente à criação de “cartões sociais” constituir um bom presságio para um programa alimentar que possa respeitar a dignidade dos cidadãos que vivem em situação de pobreza. Em políticas públicas há opções a fazer. Optar, ou não, por promover a emancipação, o desenvolvimento de competências e respeitar a autodeterminação, designadamente na capacidade em gerir um orçamento disponível no seu cartão, fazer o planeamento das compras e das respetivas refeições, aliado ao facto de haver livre escolha dos alimentos de acordo com as preferências e/ou regimes alimentares diversos, assim como optar, ou não, por dar oportunidade ao cidadão de poder usufruir do cartão em locais de consumo comuns no quotidiano em vez de locais de recolha específicos, retira a dimensão estigmatizante à medida. Com a introdução do cartão neste programa, acredito que alguns dos constrangimentos atrás elencados, que ocorrem nos moldes atuais do POAPMC, deixariam automaticamente de existir. A ideia dos cartões sociais já está prevista no papel, passar à sua implementação na realidade é necessária e urgente para respeitar a dignidade da pessoa humana e os direitos do cidadão.