A estagnação e sucessivas crises orçamentais e económicas a partir do século XXI fizeram muitos portugueses perder a esperança num futuro melhor. Muitos procuraram construir um futuro melhor noutro país. Muitos dos que cá ficaram deixaram de acreditar num futuro melhor. Sem esperança num futuro melhor, nenhum país se desenvolve.

Nos últimos anos, ultrapassada a crise da dívida e iniciada a retoma em 2014, paulatinamente, os portugueses foram recuperando a confiança. É isso que mostra o indicador ‘Satisfação com a vida’ do Portal de Opinião Pública da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Entre 2002 e 2014, aquele indicador manteve-se estável em torno do valor 6 (varia entre o mínimo de 0 e o máximo de 10), um valor baixo quando comparado com outros países europeus. No entanto, desde 2014, a ‘satisfação (dos portugueses) com a vida’ aumentou continuamente até dezembro de 2018 (6,7).

Quando os portugueses, e muitos imigrantes que procuraram uma vida nova em Portugal, pareciam recuperar a esperança, surgiu o novo coronavírus e com ele a mais grave recessão de que há registo.

A minha geração, que nasceu na década de 70, cresceu com o país a mudar a uma grande velocidade. Como muitos portugueses, vi a minha rua de terra batida ser alcatroada, o sistema de saneamento e de distribuição de água serem construídos, o parque automóvel rejuvenescer rapidamente, novas e melhores estradas. Poucos dos meus colegas de escola tinham pais com licenciatura. Mas muitos de nós tivemos acesso ao ensino superior e, concluída a licenciatura nos anos 90, foi fácil arranjar um bom emprego.

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Observar a mudança rápida e ser parte dessa mudança fazia-nos acreditar no futuro. Esta é a principal condição para a mudança: acreditar que ela é possível e que podemos fazer parte dela. Sentimos que somos parte da mudança quando há mobilidade social. E naquela época havia alguma.

No início dos anos 2000, a economia parou de cresceu. Começou por se dizer que vivíamos num pântano – António Guterres dixit – e Durão Barroso, em 2002, anunciou que o país estava de tanga. E a nossa vida nunca mais foi a mesma.

O défice orçamental tornou-se o centro das discussões nacionais. A cada ano que passava ia-se perdendo a esperança no regresso do crescimento económico. A vida ia ficando cada vez mais difícil. Os rendimentos não cresciam, o desemprego ia aumentando e os impostos também. A nossa estagnação era ainda mais surpreendente porque, com a exceção da Alemanha e da Itália, todos os países europeus e o resto do mundo cresciam de forma robusta.

Em 2007, ressurgiu alguma esperança. Parecia ver-se uma luz ao fim do túnel: o PIB cresceu 2,5%, o valor mais elevado desde 2000. Veio então a crise financeira internacional de 2008. Uma crise da dívida que nos apanhou numa posição muito frágil dado o elevadíssimo endividamento privado, público e externo. Esta crise estendeu-se por quase cinco anos. O desemprego ultrapassou os 17% em janeiro de 2013 e a economia perdeu cerca de 10% do PIB. Só em 2018 o PIB real recuperaria o valor de 2008. Uma década perdida. Centenas de milhares de portugueses, muitos deles jovens e qualificados, perderam a esperança num futuro melhor, em Portugal. Foram procurá-lo noutros países.

Será que a pandemia vai provocar uma nova interrupção no progresso do país, a perda de esperança e uma nova vaga de emigração?

A esperança dos políticos e, em especial, do governo está na enorme vaga de fundos europeus. Ricardo Santos, no seu artigo desta semana no jornal ECO, estima em 24 mil milhões de euros os fundos disponíveis para os próximos dois anos (cerca de 12% do PIB) e 8 mil milhões de euros para 2023 (cerca de 4% do PIB). Para termos uma ideia da magnitude de que estamos a falar, entre 2000 e 2020, Portugal recebeu anualmente o correspondente a 2,5% do PIB.

A aplicação daqueles fundos vai ter lugar num contexto de reindustrialização da Europa e de grandes mudanças na globalização. Na estratégia de recuperação de soberania industrial, os países europeus vão competir ferozmente pelos segmentos de maior valor nas novas indústrias. Deve ser esse o foco da estratégia portuguesa nos próximos tempos.

Na era tecnológica em que vivemos, em que as economias de escala são potenciadas pela digitalização, posições de vantagem inicial são determinantes para a competitividade nos períodos seguintes. Quem se atrasar nesta fase fica irremediavelmente arredado dos novos grandes polos industriais – 2021 é um ano decisivo para a estratégia portuguesa.

A Alemanha e a França, certamente acompanhadas de perto pela Itália, lideram a estratégia de industrialização da Europa. O plano alemão já foi apresentado em novembro de 2019. Ao contrário de Portugal, a Alemanha não precisou de uma pandemia para se preocupar com a preparação do futuro.

A melhor forma de aproveitarmos os fundos europeus para o crescimento da economia portuguesa é divisarmos uma estratégia que encaixe na estratégia industrial alemã. Felizmente, há em Portugal vários exemplos de parcerias de universidades e de empresas com multinacionais alemãs. Saibamos aproveitá-los, multiplicando-os e dando-lhes maior escala.

Para que os fundos europeus contribuam para o progresso do país, é essencial que promovam mudanças que beneficiem um grande número de portugueses. Se os portugueses mais qualificados não sentirem melhorias nos seus rendimentos ou não percecionarem melhorias num futuro próximo, vão desistir de Portugal. Se os mais qualificados emigrarem, estamos condenados a ser uma região periférica da Europa. 

Sugestões de leitura

O mês de agosto é o mês da discussão pública do Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social 2030, proposto pelo Professor António Costa Silva. Como alimento para essa discussão, e mostrando que há muitos portugueses a pensar Portugal, sugiro a leitura de quatro livros publicados este ano. Do FMI à Pandemia: Portugal entre Crise de Ricardo Reis, um dos principais macroeconomistas mundiais, que tem dedicado uma parte significativa do seu tempo a pensar sobre a economia portuguesa. É uma bênção podermos contar com as análises rigorosas, arejadas e independentes de Ricardo Reis. Três Retratos – Salazar, Cunhal e Soares de António Barreto, um dos pensadores que mais contribuiu para a análise da mudança da sociedade e da economia portuguesa, apresenta neste livro a visão de Portugal daqueles três vultos que marcaram o século XX. Ambos os livros foram publicados pela Relógio d’ Água. Sobre estratégia e geopolítica, sugiro outros dois excelentes livros. Pode Portugal ter uma Estratégia? de Bruno Cardoso Reis, e O Mundo de Amanhã de Carlos Gaspar, ambos da coleção de ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Post Scriptum: no mês de agosto interromperei esta coluna. Voltarei em setembro, às Terças-feiras. Votos de boas férias, se for o seu caso.