Hoje gostava de conversar convosco acerca das pessoas com necessidades especiais de mobilidade. Porque me parece que o nosso cuidado com elas é, no mínimo, desmazelado. Ou hipócrita, mesmo.

Experiente-se ir de cadeira de rodas para o centro duma cidade, como Aveiro ou Lisboa, por exemplo. Embora não esteja em cada rua uma tabuleta a advertir: “Proibida a entrada a deficientes”, essa norma encontra-se em vigor diante da indiferença de todos nós. As cidades cuidam dos corredores para as bicicletas mas supõem que a calçada portuguesa – para mais, “ondulada” – não tem um efeito dissuasor para as cadeiras de rodas. Nem provoca vibrações tremendas e espasmos musculares. Logo, criar condições para que, a exemplo de outros países, os cidadãos com necessidades especiais de mobilidade é um gasto supérfluo. É verdade que eles descontam para a segurança social. Mas num mundo que clama pela inclusividade, porque os cidadãos com deficiência não fazem parte duma minoria étnica mais protegida ou dum grupo identificado com minorias mais acarinhadas pelas mais diversas “ondas” das redes sociais, faz com que eles façam parte dos prejudicados. Daí que as rampas, nas cidades, quando existem, tenham uma inclinação imprópria. Um cidadão quer ir tomar um café a uma esplanada de S. Eulália? Pode ir. Mas há rampas que são precipícios. Em que o risco de um acidente grave é inequívoco. As normas, relativamente às acessibilidades para os equipamentos públicos, por exemplo, “foram de férias”. Daí que não sendo necessário que os mais diversos equipamentos tenham à porta “Proibida a entrada a deficientes” isso acontece, de facto.

Mas se se quiser participar, de forma activa, num auditório, em Santarém, e se se pretender subir ao palco? Pode ir. Mas o seu grau de autonomia para descer até ao palco e para subir para lá é zero. As rampas só podem ser um adereço que existe para iludir quem tem necessidades especiais de mobilidade.

Quer ir almoçar à Praia dos Salgados? Será bem vindo. Pena é que a autarquia entenda que um passadiço de madeira entre o parque de estacionamento e a praia viole a harmonia ambiental. E que não tenha a coragem de ter colocar um aviso, à entrada, a advertir: “Proibida a entrada a deficientes”.

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Quer ir passar um fim de semana a um hotel que anuncia equipamentos compatíveis com as necessidades especiais de mobilidade? Pode ir. Escusa de se preocupar com o número de estrelas do hotel porque, regra geral, os equipamentos disponíveis não se adequam às necessidades de mobilidade. Mas, é claro, somos todos pela inclusão.

Seria sumptuoso obrigar que todos os equipamentos públicos, da restauração ou da hotelaria tenham soluções adequadas para que todos os cidadãos com dificuldades especiais de mobilidade usufruam deles? Não seria. Mas, para isso, não viveríamos num país que, de forma fraudulenta, acarinha todas as minorias mas deixa que haja inúmeros espaços onde, só por vergonha, não está exposto um aviso que afirme: “Proibida a entrada a deficientes”. E um letreiro com uma cadeira de rodas cortada de uma ponta a outra.

A diferença entre os países que têm muitas cadeiras de rodas na rua e aqueles que não as têm não tem tanto a ver com existirem países com muitos mais cidadãos com necessidades especiais de mobilidade. A diferença passa por haver países que entendem que todos os cidadãos são queridos e bem vindos à vida das cidades e países que só não colocam “Proibida a entrada a deficientes“ por cobardia.

Dir-se-á que o Estado gasta dinheiro com os apoios que dispensa a estes cidadãos? Mais ou menos. Uma sessão de fisioterapia de 20 minutos por semana é uma esmola do sistema nacional de saúde que, no mínimo, é obscena. Entretanto, há (inúmeras!!) pessoas que ficam reféns nas suas casas, elas próprias sem condições mínimas admissíveis para quem tem necessidades especiais de mobilidade. Na verdade só falta mesmo que o Estado afirme: “Este pais não é para deficientes”. Talvez seja por isso que há muitas pessoas que são remetidas para unidades de cuidados continuados porque não há forma de conseguirem viver nas suas casas. Porque o Estado entende que comparticipar nas medidas de adequação desses espaços para uma vida tão normal quanto o possível deve ser tributado com “imposto de luxo”…

Daí, que seja até “divertido” que se discutam os conteúdos da disciplina de cidadania e desenvolvimento e, a par, em inúmeras circunstâncias, o humanismo cristão e a humanidade do próprio Estado viva paredes-meias com avisos invisíveis que dizem: “Proibida a entrada a deficientes”. Com que autoridade moral exige o Estado que se eduque, que se faça justiça ou que se cuide quando alimenta, por absoluto desmazelo, inúmeros avisos como estes?

E, já agora, o que é se entende por cidadãos com deficiência? Pessoas que não pensam? Que não entendem? Que não conhecem? Que não sentem? Que, ao contrário das outras, não têm nem sentimentos nem lágrimas com cloreto de sódio? Pessoas que, por dentro, não são iguais a todos nós? Faz sentido fecharmos o país às pessoas e reabilitarmos uma ideia eugénica de mundo? Se não o queremos fazer, porque é que, de norte a sul, pululam os exemplos de espaços em que todos conviemos com letreiros invisíveis que dizem “Proibida a entrada a deficientes”. É porque é que lidamos com eles como se fôssemos todos distraídos?