Sendo possível que aquando das eleições autárquicas deste ano a situação de pandemia esteja já sob controlo, é muito provável que ainda existam regras sanitárias apertadas, porque nem toda a população estará vacinada ou porque tenham surgido novas variantes do SARS-CoV2 não abrangidas pelas vacinas actuais. Existe também uma possibilidade de que o voto antecipado – que teve a adesão extraordinária de mais de 246 mil eleitores em Janeiro, seja, a partir de agora, mais comum. Razões que devem levar o legislador e as organizações que o implementam  – câmaras municipais e juntas de freguesia – a reflectir e a adequarem os respectivos processos a esta inédita adesão e às condições de segurança sanitária que a actual condição pandémica impõe.

Nas eleições presidenciais de 24 de Janeiro estive, como vice-presidente, numa mesa de voto antecipado na Reitoria da Universidade de Lisboa e é nessa qualidade e na de cidadão preocupado que discordo do Ministro da Administração Interna que, embora tenha esperado duas horas para votar, declarou que “o voto antecipado correu bem”. Sr. Ministro: o voto antecipado não correu bem.

Como tenho por princípio nunca criticar sem propor melhorias, e embora tenha o historial da surdez crónica dos nossos governantes (uma doença transversal a vários partidos e instâncias de governação), não gostaria de deixar algumas sugestões de melhoria para o processo do voto antecipado:

Ao Ministério da Administração Interna (MAI) ou à Assembleia da República:

  1. Deveria ter existido um período mais longo para a marcação do voto antecipado, que tivesse permitido uma melhor preparação e antecipação de volume por parte das autarquias.
  2. Não é nítida a utilidade das duas vinhetas autocolantes (uma para o sobrescrito azul e outra para um “comprovativo de voto em mobilidade”). E se não é útil, apenas complica e porque complica, torna todo o processo (já de si denso) propício a erros.
  3. Se são precisas mais mesas de voto são necessários mais cidadãos que estejam dispostos a receber 51,77 euros por mais de 12 horas de trabalho (das 07:00 horas às 20:00/21:00 horas), ou seja, 3,6 euros por hora. O valor deste pagamento deve ser revisto.
  4. Nas mesas de voto antecipado, quem faz o pagamento é a Câmara Municipal, mas esta apenas o faz depois de receber o financiamento do MAI e este pode decorrer até ao fim de dezembro do ano em causa. Este pagamento devia ser revisto e antecipado para o dia das eleições.
  5. Toda a burocracia associada às especificidades do voto antecipado devia exigir mais uma pessoa, pelo menos, para as mesas e não as cinco presentes em eleições normais.
  6. O voto electrónico e remoto deve ser avaliado. Deve ser possível para quem o deseje fazer e tenha smartphones com sistemas de reconhecimento de impressão digital, podendo enviar o voto por via electrónica após recebimento de SMS de confirmação e uso da chave digital móvel associada ao cartão de cidadão.
  7. Não faz sentido continuar a existir um “dia de reflexão” perante a possibilidade de votar antecipadamente.
  8. Devia ser proibido, de vez, os transportes em veículos das juntas de freguesia ou câmaras municipais aos locais de voto, sendo estes transportes passíveis de manipulação ou condicionamento do voto do eleitor.
  9. Aumentar o número de dias da eleição para dois, pelo menos, e incluir um dia útil e outro ao fim-de-semana, permitindo que mais eleitores tenham disponibilidade para votar. Este é o processo adoptado na Holanda.
  10. Garantir que entre o dia do voto antecipado e a contagem dos votos medeia o menor tempo possível e avaliar a abertura descentralizada de assembleias de voto antecipado – uma por freguesia – no próprio local de residência do eleitor.
  11. Reduzir ao mínimo a quantidade de pessoas que contactam com o boletim de voto antecipado (que durante uma semana está entre o local do voto antecipado e o local de contagem do mesmo) através da contagem e descarga dos votos com a presença de delegados das candidaturas.

Às câmaras municipais:

  1. Cada eleitor deve receber um SMS, indicando a hora aproximada e a mesa exacta a que deve apresentar-se na mesa de voto, por forma a reduzir ao máximo a concentração e a formação de grandes filas.
  2. Devem existir corredores com marcações para separação recomendada de 2 metros no interior dos locais de voto e no exterior, no locais onde se espera que possam formar-se filas.
  3. Os eleitores não devem ter que passar por uma triagem: se a ideia é medir a temperatura (algo que é uma forma ineficaz de detectar infecções por Covid-19) esta pode ser medida por equipas móveis percorrendo as filas de espera.
  4. Para que haja lugar ao pagamento de 3,6 euros por hora aos membros das mesas, as câmaras precisam de ser mais proactivas. Atualmente, o membro da mesa tem que enviar um email aos serviços (quais?) da Câmara Municipal, para que esta envie um link para um formulário em que este pede que a autarquia proceda ao pagamento. A informação deste procedimento não está disponível e deve ser previamente enviada aos membros da mesa.
  5. Nenhuma mesa de voto devia ter menos de cinco membros, sobretudo num acto eleitoral como o do voto antecipado, em que s carga burocrática é muito superior à de um acto eleitoral normal.
  6. Devem existir “urnas volantes” que se deslocam a casa dos eleitores com dificuldades de locomoção (confinados ou em quarentena) e que se tenham previamente inscrito para esse tipo de voto.
  7. Poderia ser avaliada a utilização de software de gestão de filas de espera, como o desenvolvido pela empresa portuguesa MobiQueue.
  8. Devem existir mesas de votação ao ar livre, quer para melhor protecção dos eleitores e membros de mesa, quer para reduzir os tempos de espera.
  9. Todos os membros da mesa, mas especialmente o presidente e vice-presidente, porque contactam sempre com centenas de cartões de eleitor e a muito menos do que 2 metros de distância, deveriam ter sido testados contra a Covid antes e dias depois do sufrágio.
  10. Todos os membros de mesa, para sua protecção e dos eleitores com que contactam, devem ter máscaras FFP2.
  11. Quando a separação por secções de voto é feita por concelhos, a informação de quais são esses concelhos deve ser distribuída ao presidente da mesa.
  12. As urnas devem ser de tamanho adequado ao envelope azul que contêm o envelope branco com o voto, por forma a poderem ser apresentadas fechadas e não abertas aos eleitores, como sucede actualmente.
  13. Deve ser dada formação aos membros das mesas sobre o acto do voto antecipado.
  14. Deve garantir-se, sempre, que todas as secções de voto são acessíveis a cidadãos com mobilidade reduzida ou condicionada.

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