A vacinação é um dos maiores êxitos da saúde pública do nosso tempo. Nos últimos 60 anos já permitiu salvar mais vidas de crianças do que qualquer outra intervenção médica. A nível mundial, a vacinação impede que 2,7 milhões de pessoas contraiam sarampo, que 2 milhões contraiam tétano neonatal e que 1 milhão de pessoas sofra de tosse convulsa anualmente. As gerações mais jovens não têm uma memória de vida direta anterior à existência de vacinas, mas os seus avós recordam-se desse tempo. Pessoalmente, conheço pessoas que morreram de sarampo ou que foram afetadas pela poliomielite.

No entanto, apesar do forte historial em matéria de vacinação, vários Estados-Membros da UE e países vizinhos estão atualmente a atravessar surtos sem precedentes de doenças que podem ser prevenidas pela vacinação, devido à insuficiência das taxas de cobertura vacinal. Os casos de sarampo triplicaram na UE entre 2016 e 2017 e, nos últimos dois anos, 50 pessoas morreram devido ao sarampo e duas devido a difteria. Em Portugal verificaram-se 108 casos confirmados de sarampo em 2018, tendo a maior parte dos casos ocorrido no norte do país. Além disso, em Portugal, apenas 50 % das pessoas com mais de 65 anos são vacinados contra a gripe sazonal, o que está muito aquém da meta da UE de 75 %.

Esta situação é profundamente perturbadora. Como médico, só posso fazer eco dos sentimentos manifestados pelo Presidente Juncker no seu discurso sobre o Estado da União de 2017 e dizer que é inaceitável que no século XXI estejam a morrer crianças na UE devido a doenças que deveriam ter sido erradicadas do nosso território há muito tempo. Os dados deixam claro que nenhum país da UE se pode dar ao luxo de ser complacente nesta matéria e considerar a vacinação como um dado adquirido. Uma vez que as doenças infecciosas que podem ser prevenidas por vacinação não se limitam às fronteiras nacionais, e que a insuficiência de imunização põe em risco a saúde e a segurança dos cidadãos em toda a UE, o valor acrescentado do trabalho em colaboração a nível da União é incontestável.

Para intensificar a cooperação da UE sobre este desafio comum, em 26 de abril de 2018 apresentei uma iniciativa política sobre as doenças que podem ser prevenidas por vacinação. Trata-se de um apelo à ação conjunta, a fim de aumentar a cobertura da vacinação e garantir que todas as pessoas na UE tenham acesso à vacinação, eliminando, assim, as desigualdades e as disparidades em matéria de imunização. Apresenta recomendações sobre medidas destinadas a dar resposta aos principais motivos do insucesso da cobertura da vacinação na UE.

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Por exemplo, o impacto das reservas em relação às vacinas nos programas de imunização é uma preocupação crescente. Os mitos e a pseudociência divulgados sobretudo através da Internet estão a induzir o público em erro. Felizmente, em Portugal existe ainda uma confiança relativamente elevada na vacinação. Apenas 4 % das pessoas em Portugal consideram que as vacinas não são seguras, em comparação com 21 % em Itália e 41 % em França.

Confrontados com estas ideias erradas, o nosso objetivo deve ser identificar e abordar as preocupações de todos os que, legitimamente, procuram compreender melhor a imunização para eles próprios e para as suas famílias. Para o efeito, uma tarefa importante para a Comissão será o desenvolvimento de um portal Web destinado a responder a preocupações genuínas com dados claros, transparentes e verificados.

As reservas em relação às vacinas entre os trabalhadores do setor da saúde constituem também uma preocupação, uma vez que essas pessoas são o nosso maior trunfo para restabelecer a confiança nos programas de imunização. Por conseguinte, é essencial que continuemos a investir na sua educação, assegurando que a ciência subjacente à vacinação é abrangida pelos currículos do ensino médico em toda a Europa, e que a educação continua após a obtenção do diploma, de modo a que os trabalhadores do setor da saúde possam continuar confiantes no que respeita ao aconselhamento em matéria de vacinação.

Outro desafio é a variação das políticas e dos calendários de vacinação entre países da UE. Tal pode ser um obstáculo especial para as pessoas que se deslocam entre vários países da UE durante a sua vida. Calendários diferentes, número de doses, etc., podem causar confusão no que se refere à vacina a tomar e quando fazê-lo. Tal pode levar a que as crianças não recebam todas as vacinas de que necessitam. Políticas diferentes entre países podem igualmente conduzir à perceção de que existem diferenças de opinião sobre as próprias vacinas. Por conseguinte, uma das principais recomendações para a Comissão e os Estados-Membros consiste em estabelecer orientações para um calendário principal de vacinação na UE até 2020 e reforçar a coerência entre os planos de vacinação nacionais e regionais.

A escassez de vacinas constitui também um obstáculo importante e, como a solidariedade é um valor fundamental da UE, devemos evitar desigualdades no acesso a vacinas entre países e regiões mediante a criação de um armazém virtual europeu de dados em matéria de necessidades e de reservas de vacinas. Tal poderia ajudar os Estados-Membros no caso de perturbações de fabrico ou de acontecimentos extraordinários. Além disso, devemos trabalhar em conjunto para definir as opções para constituir reservas físicas de vacinas a utilizar em caso de surtos graves. Necessitamos também de novas vacinas e de melhorar as já existentes e devemos trabalhar em conjunto para reforçar, a nível nacional e da UE, a investigação e o desenvolvimento de vacinas.

Estes são apenas alguns exemplos das ações sugeridas. Com tantas vidas humanas em jogo, todos temos de intensificar os nossos esforços no sentido de aumentar as taxas de vacinação em toda a UE. É igualmente claro que não podemos deixar a um ou a vários países a tarefa de resolver a questão isoladamente – os vírus e as bactérias circulam e é apenas uma questão de tempo para que se tornem um problema à escala da UE. Numa altura em que começamos a nossa nova ação conjunta, contamos com o empenho dos Estados-Membros, das regiões, dos pais e de todos os nossos parceiros nas áreas da saúde, da educação e da investigação, a fim de assegurar que os cidadãos da UE e de todas as nacionalidades e idades beneficiam da capacidade que a vacinação tem de salvar vidas humanas.

Comissário europeu responsável pela Saúde e a Segurança dos Alimentos

[1] Relatório sobre as ameaças de doenças transmissíveis de 8-14 de abril de 2018.
[2] A proposta da Comissão e todos os documentos conexos estão disponíveis neste endereço.
[3] Vaccine Confidence Project