Grande parte das notícias sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) têm-se centrado nos atrasos na execução das metas definidas e no receio de subaproveitar este financiamento. No entanto, é fundamental ir para além deste foco na monitorização da execução do PRR e analisar o seu impacto real a médio prazo nas áreas social, económica e ambiental.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é definido como um “conjunto de reformas e investimentos verdadeiramente transformadores, que têm como objetivo melhorar o desenvolvimento económico e social do país de forma justa, equitativa e sustentável”. Sublinha-se este “caráter transformador e reformista” do PRR comparativamente a outros financiamentos europeus.
A ideia é, portanto, a de estimular a economia e promover a formulação e implementação de reformas em áreas estratégicas. Ou seja, pretende-se que estes investimentos tenham um impacto para além do tempo de execução do plano, assumindo um “papel essencial na implementação da Estratégia Portugal 2030, que orienta o progresso a médio prazo nas áreas social, económica e ambiental”. Porém, uma das deficiências que tem sido apontadas ao PRR é exatamente a falta de avaliação do impacto do mesmo a médio prazo, após a sua finalização.
Vale a pena pensarmos, por exemplo, no financiamento de recursos humanos no âmbito do PRR, em áreas onde estes são presentemente muito necessários como a da saúde.
A saúde é uma das nove componentes da dimensão de Resiliência do PRR e visa “reforçar a capacidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para responder às mudanças demográficas e epidemiológicas do país, à inovação terapêutica e tecnológica, à tendência de custos crescentes em saúde e às expetativas de uma sociedade mais informada e exigente.” Nesta componente integram-se três reformas: a reforma dos cuidados de saúde primários, a reforma da saúde mental e a reforma do modelo de governação dos hospitais públicos.
Trata-se efetivamente de um investimento crucial, tendo em conta os problemas constatados no SNS nos últimos anos, entre estes a falta de recursos humanos e materiais, assim como de respostas adequadas às necessidades da população portuguesa mais envelhecida e também mais multicultural, e que se fazem sentir principalmente fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
De entre as várias medidas importantes, sublinho, na área da saúde mental, aquelas que visam “concluir a cobertura nacional dos Serviços Locais de Saúde Mental nas vertentes de internamento, ambulatório e intervenção comunitária”, assim como “adequar as respostas dos vários setores para as pessoas que vivem com demência, bem como às suas famílias e cuidadores, facilitando o acesso destes cidadãos ao sistema de saúde.”
Na reforma dos Cuidados de Saúde Primários, sublinho a ideia de “gestão integrada da doença, com a expansão da capacidade de resposta dos cuidados primários tanto nos casos de doença aguda, como de doença crónica”, assim como o “foco na facilitação do percurso do doente e da sua família na interação com o sistema de saúde, como um todo”. Destaco estes objetivos, entre outros igualmente importantes porque estes especificamente só se podem alcançar através da contratação de recursos humanos e da criação de respostas permanentes.
No entanto, a contratação de recursos humanos no âmbito do PRR supõe contratos a termo que têm de ser financiados exclusivamente pelo PRR, embora respondendo a necessidades que são permanentes. E o que acontece no final da execução do plano? Estes contratos acabam. As pessoas vão para o desemprego. O que acontece com estas respostas? Começa-se algo que depois não tem garantia de continuidade. Formam-se ou expandem-se equipas que depois se desarticulam.
Um contrato a termo de um ou dois anos também não é algo muito atrativo para profissionais com vários anos de experiência profissional e qualificações superiores (e.g. Mestrado). É natural que o profissional não fique muito motivado para se candidatar a um lugar destes, sem expectativas de continuidade. E o que acontece após a finalização do PRR? Terão de abrir novos concursos para que as respostas entretanto criadas não fiquem sem profissionais. Nesse caso será expectável uma baixa de salário? Serão concursos a termo, de novo, promovendo a precariedade?
Para além destas questões ficam outros problemas igualmente graves por resolver como o dos baixos salários e da falta de integração na carreira de alguns trabalhadores na área da saúde, designadamente dos cuidados continuados integrados, entre outros. Ou o aumento do burnout entre os profissionais de saúde.
O PRR não pode certamente dar resposta a tudo, mas se a ideia é apenas gastar o dinheiro recebido e cumprir os prazos de execução, então não estamos a falar de reformas, nem de transformação da sociedade e da economia.
Para além da criação de unidades e expansão das respostas e das equipas, há que valorizar os profissionais de saúde, providenciando melhores condições de trabalho, inclusive condições salariais. Sem isso não há recuperação nem resiliência.