Mário Centeno, que ao longo do tempo em que foi Ministro das Finanças granjeou vários epítetos – Super-Mário, Ronaldo das Finanças, etc. –, ainda não foi reconhecido por ter sido o ministro mais austero da III República Portuguesa. É preciso fazê-lo.

Centeno ficará na História de Portugal como o responsável pela maior carga fiscal – nunca antes tantos pagaram tanto imposto por causa de um só – e também como o ministro mais austero de sempre – nunca antes houve tão pouco investimento público – e merece ser reconhecido como tal.

António Costa tem afirmado, recorrentemente, que “um general não se muda em combate”. É verdade que nunca o afirmou sobre Mário Centeno, mas quando o referiu, quer a respeito de outros membros do Governo, quer sobre a Directora-Geral da Saúde, estava a transmitir uma ideia de unidade, solidariedade e de coesão, ideia essa que assume outra dimensão em tempo de guerra. E guerra foi a palavra que o Primeiro-Ministro utilizou para ilustrar o tempo que vivemos.

Ora, segundo os bardos socialistas, Centeno não é, ou era, um mero militar, um qualquer operacional ou tampouco um simples general. Mário Centeno era o marechal dos governos costanianos. O que faz com que a sua saída do Governo seja muito estranha. É incompreensível que António Costa deixe sair, precisamente quando o país vai vivenciar a sua pior crise, aquele que é considerado como o principal responsável pelos bons resultados financeiros dos seus governos. E ao sair neste momento, Centeno também revela um pouco sobre si. Pelos vistos, não é capaz de ficar ao leme do navio em mares de tempestade.

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Sou daqueles que considera haver um conflito de interesses na nomeação/indicação de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal. No papel não é possível afirmar que Centeno não possui habilitação para o cargo. Contudo, também Vítor Constâncio e Carlos Costa tinham aptidões e acabaram por demonstrar que não foram escolhas felizes, pois foi durante os seus mandatos como supervisores e reguladores que se verificaram os maiores escândalos do sector bancário.

Antes de expor as minhas objecções, quero deixar claro o seguinte: a lei é geral e abstracta. Por esse motivo, não me agrada a elaboração de leis nominais. Há muito tempo que deveria ter sido implementado um período de nojo para a generalidade dos titulares de cargos públicos. Infelizmente, por razões de favorecimento e de interesse político, tal não se verificou. Se esta lei visa particularmente alguém, o seu fundamento está errado. Dito isto, as razões para não apoiar Mário Centeno como Governador do Banco de Portugal estão relacionadas com sua ética e práxis.

Como governante, Centeno, para além da permanente relação antagónica entre a elaboração e a execução dos Orçamentos do Estado – graças às cativações –, também não teve qualquer problema em ultrapassar os limites da lei para fazer o que desejava. Neste sentido, dois momentos são flagrantes.

Primeiro, a triste novela na indicação de António Domingues para presidente da CGD. António Domingues não queria dar cumprimento à obrigatoriedade da apresentação da declaração de rendimentos e de património ao Tribunal Constitucional. Que fez Mário Centeno? Fez um acordo com Domingues para o efeito, acordo que negou, e tentou contornar a lei. Mas a trapalhada foi tanta que se esqueceu de o fazer convenientemente. Claro que sem o privilégio, António Domingues bateu com a porta.

Segundo, Mário Centeno tentou limitar e/ou condicionar a independência do Banco de Portugal. A motivação para tal não é clara, mas a tentativa foi evidente. Naturalmente, foi duramente criticada pelo Banco Central Europeu, porque a independência do Banco de Portugal é condição necessária para participarmos no Euro.

O relacionamento entre o ex-Ministro das Finanças e o ainda Governador do Banco de Portugal é tenso há algum tempo. Quando Mário Centeno foi hipótese para diretor do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal, foi Carlos Costa quem vetou o seu nome. Por sua vez, enquanto Ministro das Finanças, Centeno procurou limitar a independência do Banco de Portugal, enquanto regulador, através duma norma que facilitaria a exoneração dos governadores e, principalmente, pela colocação desta entidade perante a supervisão da Inspecção-Geral de Finanças, organismo dependente do Ministério das Finanças. Ou seja, por outras palavras, Mário Centeno queria tutelar Carlos Costa.

Assim, Centeno, apesar das suas habilitações académicas, poderá ser, devido à sua práxis como governante, um desastre ainda maior do que foram Vítor Constâncio e Carlos Costa. Depois de ter tentado subordinar o Banco de Portugal ao Governo, que garantias temos que defenderá a independência desta entidade? Como responsável por um regulador, Centeno deverá opor-se às pretensões do Governo quando as circunstâncias o exigirem. Podemos acreditar que o fará?

Acresce ainda que, tendo em conta a estrutura orgânica do Banco de Portugal, como Governador, Centeno será fiscalizado por um Conselho de Auditoria composto por membros que ele próprio nomeou enquanto Ministro das Finanças.

Em suma, Mário Centeno não respeitou a separação dos poderes, tentou condicionar a acção de um regulador e foge do Governo quando é mais necessário.

Será o que conseguiu com o défice suficiente para ser Governador? Não. São demasiadas zonas cinzentas. E o Banco de Portugal dispensa um “marechal” com medo.