“Que coisa estranha”, dizem uns. “Há quantos anos não via um militar fardado”, dizem outros. Quase 50 anos depois do 25 de abril de 1974, não deixa de ser motivo de reflexão que alguns portugueses reajam, com um misto de curiosidade e de interrogação, à presença de um militar das Forças Armadas envergando a sua farda.

Se a farda deve ser usada sempre que se esteja em serviço, então porque é que não é hábito ver um militar fardado nas ruas das nossas aldeias, vilas ou cidades, desempenhando operações internas, ou até mesmo prestando declarações num órgão de comunicação social? Porque as Forças Armadas não prestam, regularmente, um serviço visível em território nacional.

Vamos aos factos.

As Forças Armadas são a instituição nacional incumbida de assegurar a defesa militar da República. Esta defesa tem sido interpretada como uma “defesa afastada”, essencialmente em territórios estrangeiros, através das missões militares internacionais e ações de cooperação técnico-militar no quadro dos compromissos assumidos com as organizações a que Portugal pertence.

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Nos termos da Constituição e da Lei, incumbe às Forças Armadas desempenhar todas as missões militares necessárias para garantir a soberania, a independência nacional e a integridade territorial do Estado e colaborar em missões de proteção civil e em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações (Missões de Interesse Público). Estas podem ser empregues em território nacional, quando se verifique o estado de sítio ou de emergência.

Certo é, que já vamos no 11.º estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, e só a partir do 10.º foi possível ver um militar assumir funções de liderança nacional na resposta à Covid-19, não por escolha direta do Governo, mas por ausência de alternativa, dado que o seu antecessor pediu demissão. De início, quase todos estranharam, mas agora são muitos os que defendem que “o Vice-Almirante Gouveia e Melo já lá devia estar há muitos meses”, que “inspira confiança” ou que “fala pouco, mas com clareza”.

Em todas as restantes ações para a mitigação da pandemia, as Forças Armadas têm vindo a exercer um papel eminentemente secundário, questionando-se se tal se justifica pelo eventual medo de dar protagonismo às fardas no nosso país. Além disso, mesmo nas poucas missões que lhes são acometidas, os militares raramente saem dos seus quartéis, não se misturando com os civis.

Quando Portugal pediu ajuda externa, a primeira resposta foi o envio de uma equipa médica das forças armadas alemãs, a qual foi encaminhada para apoiar um hospital civil de Lisboa, sem qualquer complexo de “mistura militar/civil”.

Se as Forças Armadas portuguesas são reconhecidas além-fronteiras, recebendo os maiores louvores pela participação nas mais diversas operações, existirá algum tipo de vergonha em mobilizá-las em território português? O mesmo não acontece em muitos países da Europa ocidental, a exemplo da Espanha, da França ou da Bélgica, pois é comum ver militares, principalmente do exército e de outras forças especiais, a patrulharem locais de maior risco. Em Portugal, porque “somos diferentes”, isso é proibido pela Constituição e pela Lei.

É urgente mudar mentalidades – dos civis e dos militares! É urgente alterar a Constituição e a Lei para que o emprego das Forças Armadas em território nacional seja ampliado, quer em tempo de paz, quer em situação de emergência.

Não nos esqueçamos nunca que os militares são, antes de mais, Portugueses que amam muito a sua pátria e que juraram defendê-la, mesmo com sacrifício da própria vida.