Quando era novo queria ser advogado. Via “As Teias da Lei”, uma série americana sobre uma firma de advogados em Los Angeles, e parecia-me uma profissão espectacular. Homens cheios de estilo, mulheres lindas, casos emocionantes em que um raciocínio genial ilibava um inocente ou em que uma pergunta certeira desmascarava uma testemunha aldrabona. Eram heróis. E ganhavam imenso dinheiro. Mais importante, tinham assistentes particulares que eu, com o ódio aos trabalhos de casa, invejava.

É muito provável que, 30 anos depois, a televisão tenha voltado a fazer os miúdos quererem ser advogados. Não por causa de uma série, mas por causa da audição de Joe Berardo na Assembleia da República. É impossível ver a exibição do advogado do comendador Berardo e não sentir admiração pelo causídico. Sim, os advogados da ficção têm charme, casos jurídicos entusiasmantes e fáceis (pelos menos, ganham-nos sempre) e ainda lhes sobra tempo para beber uns copos no fim do dia, mas nada se compara à pinta do advogado de Berardo. Um homem com classe, que se dá ao luxo de ir à AR em trabalho e não levar gravata. (Há dois tipos de pessoas que não usam gravata na AR: marxistas que infringem intencionalmente as regras burguesas, e ricos tão ricos que nem conhecem as regras burguesas. Aposto que também estava sem meias, calçando uns Tod’s, aqueles mocassins que só por serem caros é que não são considerados pantufas. Apesar do ar descontraído, é óbvio que liga à roupa. Daí vestir um casaco com as mangas subidas de propósito pelo alfaiate, para poder mostrar os brutos botões de punho). Um homem que se apresenta com um bronzeado pouco natural para esta época do ano, a não ser para quem anda de descapotável (daí o cabelo revolto com sofisticação), já foi três vezes à neve (Alpes, claro, que os Pirenéus são pindéricos) e joga golf todos os dias. Aliás, a ideia que dá é que o advogado tinha saído mais cedo de um almoço no clube e estava cheio de vontade de despachar a audição, para ainda chegar a tempo dos uísques e charutos. Quem não quer esta vida? Além, claro, da leveza do trabalho propriamente dito: tudo o que tem de fazer é industriar milionários e impedi-los de se auto-incriminarem de forma tão desastrada que a Justiça não tenha outro remédio senão caçá-los. Por isso, recebem honorários chorudos.

Ser advogado de milionários é capaz de ser a melhor profissão do mundo. É como ser o ex-cunhado do Ronaldo, mas com licenciatura. O ex-cunhado do Ronaldo vive na casa do Ronaldo, guia o Ferrari do Ronaldo, o Bentley do Ronaldo, o Lamborghini do Ronaldo, passa férias no iate do Ronaldo, viaja no jato do Ronaldo, vai para a cama com as amigas mais feias das raparigas que o Ronaldo engata, usa as jóias que o Ronaldo não usa nesse dia e afaga as Bolas de Ouro do Ronaldo, quando o Ronaldo não está a olhar. Isto tudo sem precisar de se deitar e levantar cedo, de fazer dieta, de deixar de comer doces e beber álcool, de treinar todos os dias, de apanhar pontapés de defesas e de se enfiar dentro de uma piscina de gelo durante horas a fio. Quando o Ronaldo sai de manhãzinha para o treino, o ex-cunhado do Ronaldo fica na ronha a ver programas de televisão onde se comenta a vida privada do Ronaldo, outra chatice que o ex-cunhado do Ronaldo não tem de aturar.

Em troca disto tudo, só precisa de rir-se das piadas do Ronaldo, de servir de motorista ao Ronaldo, de fazer churrascos para o Ronaldo, de dizer que o Messi é um anão sobrevalorizado (três vezes ao dia) e de perder jogos de ping pong de propósito com o Ronaldo. No fundo, tem o melhor da vida do Ronaldo, sem as partes aborrecidas da vida do Ronaldo. Até o Ronaldo deve ter inveja do seu ex-cunhado.

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A partir de agora, é natural que os miúdos todos queiram ser como aquele bem-sucedido advogado. Não um bem-sucedido advogado normal, claro, mas um bem-sucedido advogado de milionários. A diferença está nos clientes: enquanto um bandido comum chama o advogado quando é apanhado pela polícia, o bandido milionário manda vir o advogado antes de cometer o crime.

E paga bem por isso. O que permite ao advogado de milionários viver com todos os privilégios de um milionário, sem a maçadora exposição pública a que os milionários são sujeitos. A não ser, claro, em situações especiais como a de Berardo, em que o milionário exagera a fazer-se de parvo. Se Berardo fosse um milionário vigarista menos desbocado, daqueles que costumam ir às Comissões de Inquérito sem levantar ondas, ninguém teria reparado no advogado.

Não foi o que sucedeu, de maneira que a partir desta semana deixou de ser anónimo. As pessoas vão reconhecê-lo na rua e dizer: “Olha, o advogado da televisão! Tenho o banco à perna por ter falhado duas prestações e este gajo safa o Berardo de pagar 1000 milhões?” Obviamente, vão cercá-lo e não o deixarão sair dali enquanto não lhes ensinar a renegociar um empréstimo de maneira a não ter de o pagar. Toda a gente o vai chatear com isso. O mordomo vai chateá-lo, as criadas vão chateá-lo, a cozinheira vai chateá-lo, o caseiro vai chateá-lo, a babysitter vai chateá-lo, o tratador do cavalo do filho vai chateá-lo, o jardineiro vai chateá-lo, o treinador de ténis vai chateá-lo, a instrutora de ioga da mulher vai chateá-lo, o professor de piano da filha vai chateá-lo, o motorista vai chateá-lo, o porteiro do Hotel vai chateá-lo, o sommelier vai chateá-lo, o chef vai chateá-lo, o caddy vai chateá-lo, o barman do clubhouse vai chateá-lo. E isto só à segunda-feira de manhã, imagine-se o resto da semana. Coitado, tem a vida destruída.