Os problemas criados com a estratégia de António Costa e Mário Centeno para reduzir o défice público têm estado a explodir, como se previa. Como se isso não bastasse, juntam-se agora exemplos de falta de sentido institucional na gestão dos assuntos de Estado. E um primeiro-ministro que ao longo da sua vida foi um protegido e mimado dentro da bolha da elite lisboeta revela naturais dificuldades em enfrentar um mundo que parece que deixou de lhe sorrir.

Depois de ter feito tudo para ser primeiro-ministro, passada a agenda de desfazer o que Pedro Passos Coelho tinha feito, passado o tempo possível de distribuir dinheiro deixando os serviços públicos à míngua e passada a pandemia, começa a ficar exposta a total falta de uma ideia para o país, a ausência de uma estratégia que seja de António Costa para Portugal. Como Miguel Pinheiro mostrou, o primeiro-ministro cresceu num mundo pequeníssimo. O que explica muito do retrato que nos transmite do país que pensa ser Portugal, um país onde a elite pode fazer tudo, usando o Estado como se fosse a sua propriedade, para a qual contrata e vende e compra as mais diversas coisas.

O caso da TAP é talvez o mais exemplar desta atitude do primeiro-ministro que contaminou todo o seu Governo. Estamos todos muito concentrados no valor da indemnização, mas o que de mais aterrador o caso revela, a cada novo pormenor que se vai conhecendo, é a displicência com que os governantes nos têm governado. Se num dos dossiers mais sensíveis da governação se atuou com esta leviandade, fica a cargo da nossa criatividade imaginar o que acontecerá nos outros casos.

O último episódio desta história da TAP é a revelação, pelo ex-ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, de que teria dado a sua anuência política à indemnização paga pela TAP à sua então administradora Alexandra Reis através de uma “comunicação informal”. Estamos assim a tomar decisões da ordem dos 500 mil euros – brutos, é verdade – numa empresa que recebeu mais de três mil milhões de euros de ajuda do Estado em comunicações informais, através de WhatsApp.

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É mais um elemento que apenas reforça a convicção da leviandade com que todo este processo da TAP foi gerido. E que faz com que seja legítimo, no nosso espírito, colocar a hipótese de estarmos a ser governados por uma equipa de pessoas sem sentido de Estado nem profissionalismo. Dentro da lógica da sobrevivência política de alguns elementos do Governo, a TAP foi tratada como o dossier de Pedro Nuno Santos com quem ninguém se queria meter. E Pedro Nuno Santos actuou à altura do que se esperava dele e, aparentemente, decidia o que queria, sem dar confiança ao Ministério das Finanças – nem mesmo ao primeiro-ministro, como se viu no caso do aeroporto. Tudo isto se, entretanto, não vierem para o espaço público mais “comunicações informais”, desta vez em grupos das Finanças.

Com tudo o que vemos acontecer e não acontecer à nossa volta, temos de concluir que o Governo nunca governou, deixou-se ir pelo que ia exigindo a sede de manter o poder por parte do primeiro-ministro. Primeiro com a Geringonça era preciso distribuir dinheiro tirando-o dos serviços públicos. Esta táctica interrompeu-se com a pandemia que mostrou pela primeira vez como o Estado estava depauperado. Terminada a pandemia, temos a inflação e a guerra e dinheiro da União Europeia para gastar, mas o Estado encontra-se em colapso. Que o diga quem precisa da Saúde pública, da Educação garantida pelo Estado, de apoios sociais ou pensões – sem ser obviamente um especializado em apoios –, quem precisa, enfim, da Justiça ou de serviços públicos básicos como registos ou cartões, a funcionarem alguns como se ainda estivéssemos em pandemia.

Enquanto o primeiro-ministro queria ser primeiro-ministro lá ia encontrando táticas para disfarçar a ausência de ideias para o país. O pior é que agora parece que António Costa já se cansou de ser primeiro-ministro, como as crianças que se cansam de uma brincadeira e preferem entrar noutra. Sem a energia que lhe dava o facto de gostar desse poder de governar, António Costa parece ter perdido a sua genialidade política, ficando apenas a sua exasperação quando é contrariado pelas perguntas dos jornalistas.

O mais preocupante é não se conseguir perceber como é que o país sai deste bloqueio e consegue uma governação que inverta a degradação dos serviços públicos e com governantes que recuperem o sentido de Estado.