“A ancestral história de lobos e pastores, é uma história dramática.”
Félix Rodriguez de La Fuente

Dezembro de 1928, Lageosa, Oliveira do Hospital: dois lobos andavam a assaltar vários rebanhos nesta região. Organizou-se uma batida e matou-se uma destas “terríveis feras”. Houve regojizo. O lobo morto foi oferecido ao pastor que mais prejuízos havia sofrido. A pele do bicho rendeu 100$00 e a visita com o animal a várias aldeias somou mais 700$00 em ofertas. (A Comarca de Arganil n° 1506)

O lobo era temido, diabolizado, perseguido. Matava-se à fartazana e nem assim as pessoas se viam livres de tão odiada criatura.

Todavia, na cidade, longe da natureza, e com o desenvolvimento do ensino e da ciência, e mais recentemente das preocupações ambientais, uma nova visão emergiu, levando-nos ao actual paradoxo, comum a outros países ocidentais: muita gente a querer lobos, sem ter que viver com eles, e poucas que não o querem, mas que são quem tem que viver com ele. (Há um século, o lobo existia em dois terços do país e convivia com 60% da população do país na altura. Hoje, o lobo está reduzido a um quarto do país, havendo menos de 13% de pessoas a residir em concelhos onde ele existe (fontes: INE, População); ICN e GL, Censo; Fórum Ambiente n°26, registos concelhios).

Tem sido notícia, por estes dias, um lobo morto numa armadilha no Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Como seria de esperar, sempre que há animais envolvidos, explodiu a indignação nas redes sociais, muitas vezes extremada, quer visando a caça, quer mesmo pedindo tratamento cruel a membros da própria espécie.

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Pedindo de antemão desculpa pela minha insensibilidade (na verdade, enquanto conservacionista, interessa-me se a população cresce ou decresce e como vive e se relaciona, uma morte de um animal em si, não me diz nada…), compreendo a tristeza de muitos. Mas este radicalismo é perigoso. Dividir-mo-nos em bons e maus, é alhear-mo-nos da complexidade do problema. Consequentemente, longe das possíveis soluções.

Morrerá uma dúzia destes animais anualmente, sendo o atropelamento a principal causa, logo seguida de diferentes formas de furtivismo: laços, armadilhas, venenos, tiros… Aliás, morrem por esta última via muitos animais de muitas espécies – raposas, ginetas, fuínhas, sacarrabos, javalis, coelhos, corvideos, aves de rapina… – por todo o país.

Gostamos de leis e castigos para resolver tudo. Mas, tomando um banho de realidade, facilmente se percebe que a fiscalização e a punição são inconsequentes. Tal como o agravar do quadro legal que muitos reclamam.

Paradoxalmente, a caça, que é uma actividade legal, regulada, é uma poderosa arma para mitigar o furtivismo, algo ilegal e que não pode ser confundido com caça.

De facto, o envolvimento e a conciliação podem produzir melhores resultados.

Primeiro que tudo, há que ter consciência do que é viver com lobos. Cada um tem os seus problemas onde vive: ondas de assaltos nas cidades, vandalismo, tráfico de drogas, falta de assistência, falta de infraestruturas, ou até lixeiras, poluição, ratos, pombos, gaivotas e baratas, etc., etc. Onde se vive com lobos, estes são uma fonte de conflitos com o Homem. No outro dia, lia uma outra notícia de jornal da minha terrinha, também há uns 90 anos: a um homem, pai de nove filhos, num tempo de fome e miséria, os lobos haviam morto 12 das suas 13 ovelhas, ao ponto do jornal (A Comarca de Arganil) fazer uma subscrição de donativos para ajudar a pobre família. Alguém se gostaria de ver em tal situação? Certamente que não.

Por mais triste que seja a morte do lobo, há que entender os conflitos nestes territórios onde as pessoas vivem na pobreza e na velhice, em muitas facetas, abandonadas pelo Estado. Ignorar estes conflitos, leva a esta justiça pelas próprias mãos.

A maioria que não vive lá, mas quer lá lobos, também tem responsabilidades na gestão destes conflitos.

Pelo que, ouvir os queixosos sobre coisas como o baixo valor das indemnizações, as dificuldades, a burocracia, a morosidade, até os sentimentos (sim, vacas, cabras, ovelhas, etc. não são máquinas, são animais também, animais que o lobo mata, animais a quem o seu dono dá um nome…), talvez seja mais útil que destilar ódio nas redes sociais, muitas vezes defendendo agendas, alheando-se dos problemas, das responsabilidades, de uma resposta conjunta.

Há umas décadas atrás, lobos mortos era algo comum. Era sinal que havia muito bicharoco destes. Agora há poucos. Mas começam a repovoar territórios onde estiveram ausentes algumas décadas. Naturalmente, os conflitos e as mortes tendem a aumentar. Mas o que em si não é mau sinal, é sinal que a espécie recupera…

Há algumas coisas que podemos expandir e melhorar para amenizar e conciliar dois inimigos ancestrais, como sejam a educação ambiental, a caça regulada, a participação pública, ou a justa compensação a quem suporta individualmente o interesse público de existirem lobos.

Saibamos estar à altura.