“Não sei se meu casamento aguenta até o fim desse ano”, disse uma amiga. Ela começou a narrar que as coisas estavam cada vez mais difíceis, que as opiniões dela e do marido nunca se harmonizavam, que estavam sempre se desentendendo e viviam aborrecidos um com o outro. Então eu perguntei “e o que vocês já fizeram para tentar resolver isso?”. Ela me olhou como se eu tivesse feito uma pergunta estranha, inesperada e sem cabimento.

Percebi nesse momento que eles tinham tomado os desentendimentos e aborrecimentos como verdades absolutas dentro da relação. Consideraram-nos fatos contra os quais não havia nenhuma condição de lutar, dando-lhes uma espécie de vitória automática.

Realmente, dividir a vida com alguém não é uma tarefa fácil. Porque, se frequentemente nos aborrecemos com nós mesmos (não guardei as roupas que estão em cima da poltrona, esqueci de pendurar a toalha, esqueci a garrafa de água para fora da geladeira…), não é difícil imaginar a dificuldade de lidar com os erros do outro. E essa é a apenas uma pequena parcela dos desafios da vida a dois. Porque os projetos podem destoar muito uns dos outros e a forma de ver a vida pode ser oposta.

E, realmente, quando duas pessoas já têm perspectivas muito diferentes acerca do futuro, o casamento perde o sentido. Quando não é mais possível fazer planos conjuntos, dividir projetos e harmonizar ideais, a relação torna-se inócua. E não faz sentido algum manter uma vida partilhada apenas em nome das aparências, da segurança financeira ou do comodismo. Nessas horas, de fato, os casamentos precisam ser repensados.

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Mas não. O que vejo por aí são dezenas e dezenas de casais que resolver decretar o fim do casamento simplesmente porque andam se desentendendo muito. E, sobretudo, por banalidades: a louça na pia, a programação do domingo, o horário do banho do filho, a quantidade de azeite na comida, o canal da televisão, o volume do despertador, o horário do sexo, os cabelos na escova, os sapatos no meio do caminho.

As pessoas vão ficando irritadas com o trânsito, cansadas do trabalho, angustiadas com prazos, preocupadas com os filhos e simplesmente resolvem descontar essas frustrações em cima dos seus maridos ou mulheres, como se eles fossem os culpados por tudo isso. É preciso manter as aparências no escritório, nos controlar dentro do carro, manter a calma com os filhos… Mas com a pessoa que se ama, vira uma espécie de vale tudo, de válvula de escape, algo do gênero “aqui, eu sempre posso dizer que a culpa é do outro”.

Como advogada, acho o divórcio um instituto jurídico fantástico, que garante a liberdade e o livre arbítrio das pessoas. Também acho o casamento um contrato bastante moderno, que hoje em dia existe principalmente por causa do amor. Acho natural que exista gente que apenas viva junto e gente que se case. Gente que se separe e gente que se divorcie. O que não consigo achar natural é ver gente jogando casamento fora por causa de coisinhas tão medíocres e contornáveis.

É mesmo uma dinâmica estranha. Parece que as pessoas estão achando mais fácil encarar um divórcio, aguentar a dor, mudar de casa, mudar a vida dos filhos, suportar a dor dos filhos, lhes impor novas rotinas, do que simplesmente sentar para conversar, dispor-se a mudar de comportamento, pegar mais leve, esforçar-se mais. Virou um 8 ou 80: ou o casamento dá certo sozinho ou as pessoas se separam. As pessoas confundem aborrecimento com falta de amor. As pessoas não estão dispostas a ceder em nenhum momento, nem a colocar os interesses do casal num patamar tão relevante quanto o dos seus próprios interesses.

Acho que, de fato, se o futuro que as pessoas desejam não é mais o mesmo e se os planos não conseguem ser conjuntos, é mesmo melhor se separar. Mas se o problema é só a convivência, a chatice, as alfinetadas, é muito inconsequente (e muito egoísta) jogar um casamento no lixo. Quanto tempo falta para o seu casamento acabar? Talvez ele possa ser resgatado. E talvez nem seja uma tarefa tão difícil assim. Talvez ele nem esteja acabando, mas esteja parecendo mais fácil pensar que sim.