Estamos a uma semana do fim do ano. Nesta semana morrerão provavelmente nas estradas portuguesas entre 10 a 15 pessoas. Homens, mulheres ou crianças que não chegarão a ver o novo ano.
Apesar de progressos significativos ao nível da sinistralidade e da mortalidade nas décadas de oitenta, noventa e na primeira década deste século, Portugal compara ainda mal com os restantes países em 2020. Está no segundo grupo em que a mortalidade é mais elevada na Europa só ultrapassado por países da ex-União soviética. Como de costume os escandinavos têm os valores mais baixos.
Os números da mortalidade rodoviária eram verdadeiramente alarmantes há apenas umas décadas. Ainda em 1990 e anos seguintes morriam mais de 2000 portugueses nas estradas anualmente. Esse número decaiu na década seguinte e só em 2006 se desceu abaixo dos 1000 mortos. Para isso contribuiu certamente a melhoria nas redes viárias, nas condições de segurança dos veículos, uma legislação mais rigorosa (revisão do código da estrada) e as políticas públicas em particular da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR). Porém, na última década, e se excluirmos o efeito COVID de 2020, parece que chegámos a um patamar onde não se desce significativamente nem no número de acidentes nem no número de feridos ou de mortos.
Existe hoje um bom conhecimento estatístico sobre as características, os intervenientes e as consequências dos acidentes rodoviários através dos relatórios da ANSR. Sabemos, entre muitas outras coisas, que a maioria dos acidentes e vítimas mortais se processa dentro das localidades nos arruamentos municipais logo seguido das estradas nacionais. Que embora grande parte dos acidentes envolva veículos ligeiros o peso dos mortos nos acidentes com motorizadas e ciclomotores é muito mais elevado.
Face ao problema da sinistralidade e mortalidade rodoviária precisamos de uma estratégia com objetivos realistas, indicadores adequados, um cronograma e atuar em duas frentes. É necessário apelar à responsabilização individual, onde tudo começa, mas usar todos os instrumentos de políticas públicas para alcançar os objetivos. Uma estratégia nacional está a ser desenhada na Visão Zero da ANSR, mas convém atentar em três coisas. O objetivo de termos zero mortos, sugerido por “visão zero” não é obviamente realista. Vivemos numa sociedade de risco, e isso significa inevitavelmente que haverá sempre mortos nas estradas. Porém, ambicionarmos chegar aos melhores padrões europeus já é algo ambicioso e mais realista. Depois, não esquecer que a estratégia, e o seu modelo de governação e monitorização, não pode ser apenas nacional, mas terá de se articular com estratégias municipais pois, como referido, grande parte dos acidentes e mortos acontece em arruamentos de responsabilidade municipal. Finalmente, é necessário que medidas legislativas corretas (como a carta de condução por pontos) seja eficazmente aplicada e não sujeita a esquemas processuais dilatórios para evitar a cassação do título de condução.
Estamos a uma semana do fim do ano. Que as estatísticas de mortos e feridos na estrada não se confirmem este ano, que se reduzam os mortos COVID e que possamos encarar 2022 com esperança de um ano de regresso à normalidade sanitária e de progresso na maturidade democrática.