O início de um novo ano é sempre uma altura de balanços e planos de mudança. O que deveria ser um momento de entusiamo pode ser para muitos de nós um momento de ansiedade, principalmente quando focamos a análise nos nossos objetivos profissionais.

Era mesmo aqui que eu queria estar? Sinto-me realizado no meu trabalho? Há cinco anos atrás imaginei que hoje o meu dia-a-dia profissional seria este? Estou a evoluir? Sinto que o próximo ano vai ser melhor que o anterior? Estas e muitas outras questões chegam de mansinho quando regressamos ao trabalho, depois daquele período de festividades que nos faz evadir durante algum tempo das nossas vidas profissionais, seja porque aproveitamos o período para umas merecidas férias seja porque tudo parece imbuído de diferentes prioridades.

Podemos embrulhar todas aquelas perguntas numa única: estou entusiasmada(o) por voltar ao trabalho no início do ano? Mesmo sabendo que as férias sabem sempre a pouco, regressar ao trabalho não deverá doer como a ideia de começar aquela dieta tão necessária a seguir ao Natal.

Na área de IT, por exemplo, não faltam oportunidades de emprego quer a nível nacional quer internacional. No entanto, oportunidades que permitam o desenvolvimento profissional, quer através de projetos desafiantes, quer pelas oportunidades de aprendizagem, já exigem que estejamos dispostos a procurar e a enfrentar aquele desconforto que começa por nos questionarmos a nós próprios e se amplia quando pensamos num processo de mudança.

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E qual a nossa apetência para mudar? Para responder a esta questão, partilho aqui como algumas empresas medem o grau de satisfação dos seus colaboradores e inferem a sua apetência para a mudança.

O Net Promoter Score, NPS (The one number you need to grow, F. Reichheld, Dezembro de 2003) é atualmente o método mais utilizado para medir a lealdade do cliente, e baseia-se numa única questão: “Numa escala de 0 a 10, qual é a probabilidade de você recomendar a nossa empresa/serviço/produto a um familiar ou amigo?”.

Sem entrar em demasiados pormenores sobre este indicador refiro só que o NPS é calculado da seguinte forma: NPS = % Promotores (notas 9 e 10) – % Detratores (notas 0-6) – (as respostas 7 e 8 são consideradas “passivos” e excluídos do cálculo do NPS).

Construído da mesma maneira, o eNPS (Employee Net Promoter Score) é usado para aferir o nível de envolvimento/satisfação dos colaboradores e baseia-se na questão:“Numa escala de 0 a 10, qual é a probabilidade de você recomendar o seu empregador a um amigo ou conhecido?”.

O meu desafio de ano novo para quem me está a ler é que responda a esta pergunta (numa escala de 0 = ”Nem pensar” a 10 = ”Absolutamente”) e avalie os critérios que levaram à sua resposta, demorando algum tempo nesta ponderação, uma vez que a pergunta faz com que consideremos muitos fatores, nomeadamente a satisfação com a cultura da organização, ambiente de trabalho, chefias, oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem, perspetivas de carreira, remuneração, benefícios, etc. Esta poderá ser uma boa fonte de informação para as suas resoluções de Ano Novo.

Apesar de ainda não ser habitual a utilização deste indicador em Portugal, considero que seria muito pertinente estender este desafio às empresas portuguesas, as quais deveriam saber responder à pergunta “Será que os meus funcionários recomendariam esta empresa como um bom local para trabalhar?”.

Este tema torna-se cada vez mais relevante dado o mercado de trabalho ser cada vez mais global, em particular nas áreas de IT onde o talento escasseia face à procura existente, mas também devido ao fenómeno batizado como “The Great Resignation”.

O eNPS é um excelente indicador para as empresas sobre a apetência para a mudança dos seus funcionários.

O estudo The 9-Month Warning: Identifying Quitters before It’s Too Late – a report by Workday efetuado com base em 30 milhões de respostas de 7 milhões de funcionários em cerca de 125 países, identificou que o compromisso e a lealdade em queda, medido através do eNPS, dão um pré-aviso de 9 meses antes da partida de um funcionário.

O estudo revelou que tanto o envolvimento como os resultados de lealdade dos funcionários são fortes indicadores de uma próxima saída de um funcionário. Nove meses antes de se demitir, o índice global de compromisso de um empregado começa a baixar significativamente.

Os números da emigração da população qualificada mostram também a apetência para a mudança.

Todos conhecemos – e provavelmente sentimos os seus efeitos de uma forma ou outra – a crise económica que levou ao aumento da emigração portuguesa entre 2000 e 2011, sendo que esse aumento foi muito mais acentuado ao nível da população altamente qualificada, situação que se tem vindo a agravar nos últimos anos.

Em termos práticos, entre 2001 e 2011, a percentagem de portugueses emigrados com formação superior a residir nos países da OCDE praticamente duplicou, passando de 6% para 11%.

Em 2020, do total de emigrantes permanentes com 15 ou mais anos de idade, 34,2% tinham como nível de escolaridade completo o ensino superior (Instituto Nacional de Estatística – Estatísticas Demográficas : 2020. Lisboa : INE, 2021. Disponível na www: <url:https://www.ine.pt/xurl/pub/442993507>. ISSN 0377-2284. ISBN 978-989-25-0576-3)

No estudo Brain drain and academic mobility from Portugal to Europe (Gomes, Rui & Cerdeira, Luisa & Teixeira Lopes, João & Vaz, Henrique & Brites, Rui & B., Cabrito & Machado-Taylor, Maria De Lourdes & Magalhães, D. & T., Patrocínio & Peixoto, Paulo & Ganga, Rafaela & Silva, Sílvia & Silva, J.. (2015). Brain drain and academic mobility from Portugal to Europe. 10.13140/RG.2.2.25838.61760, noticiado aqui), efetuado por diversas universidades portuguesas sobre “Brain Drain” foi estimado que em 2010/2011 Portugal perdeu 9 mil milhões de euros com a fuga de cérebros do país (considerando o investimento público na formação destes emigrantes qualificados e os impostos e receitas para a Segurança Social que se perdem por estarem fora de Portugal). De acordo com este mesmo estudo 43% dos emigrantes qualificados não pensam regressar.

Estamos assim continuamente a perder milhões de euros e a hipotecar o futuro do país.

Mas porque emigram os portugueses qualificados?

Voltando ao estudo previamente referido, a primeira razão identificada para a emigração é “oportunidades de desenvolver uma carreira” – a principal razão para emigrar é “Motivações Profissionais” (carreira, realização) seguida de “Razões Económicas” (melhores salários) – sendo que as razões financeiras aparecem depois desta motivação.

Esta constatação revela que há muito a fazer nas empresas portuguesas para assegurar que os seus funcionários têm todas as condições para contribuírem com o seu melhor.

E novamente saliento que não se trata só de questões financeiras.

De forma a aprofundar um pouco estes aspetos, volto ao estudo anteriormente referido The 9-Month Warning: Identifying Quitters before It’s Too Late – a report by Workday, o qual revela alguns fatores que levam os funcionários a demitirem-se, a saber:

  • As pessoas deixam um trabalho que não lhe coloca desafios, não uma carga de trabalho desafiante;
  • As pessoas saem quando não podem discutir a remuneração, não porque se sintam mal recompensadas;
  • As pessoas deixam as chefias, não os colegas, a cultura ou a empresa;
  • As pessoas saem quando não veem um caminho para o desenvolvimento pessoal;

Obviamente estas conclusões, apesar do considerável universo de funcionários e países, dizem respeito a organizações que se preocupam o suficiente para aferirem regularmente a satisfação dos seus funcionários através de questionários. Conclusões distintas seriam prováveis em situações de precaridade e salários chocantes e indignos para a subsistência, que não são o foco deste artigo.

Para concluir, diria que os dados da emigração qualificada e dos fatores que levam os funcionários a mudar de emprego deveriam ser um bom ponto de partida para resoluções de Ano Novo:

  • Para as empresas nacionais investirem na qualidade das chefias e no desenvolvimento profissional dos funcionários, não assumindo a posição de vítima por não poderem competir financeiramente com as empresas internacionais.
  • Para todos aqueles que têm responsabilidades de liderança e que pensam que as suas equipas não responderiam 9/10 à pergunta “Qual é a probabilidade de você recomendar o seu empregador a um amigo ou conhecido?”, começarem por se mudar a si próprios.
  • Para o Estado parar de financiar, via IEFP, deprimentes programas de estágios para licenciados, que só contribuem para a fuga de cérebros do país;
  • Para todos aqueles que não responderam 9/10 à pergunta “Qual é a probabilidade de você recomendar o seu empregador a um amigo ou conhecido?”, questionando-se se será a hora de procurarem uma mudança.

E se assim o pode parecer, este não é um apelo à emigração dos portugueses qualificados. É sim um apelo a todos nós para que nos empenhemos em criar as condições para que estes mesmos portugueses possam contribuir com o seu talento para o desenvolvimento do país. É também uma mensagem de esperança para todos aqueles que sentem dor no regresso ao trabalho. A mudança é possível.

Quanto a mim sei bem o privilégio que é começar um novo ano entusiasmada por regressar ao trabalho e respondendo com um 10 à pergunta “Qual é a probabilidade de você recomendar o seu empregador a um amigo ou conhecido?”.

Acima de tudo não tenhamos medo de mudar nem de errar, mas asseguremos que aprendemos sempre com os erros. Feliz 2022!

Paula Sequeira é lisboeta nas origens e no coração. Master em Engenharia Informática pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Depois de 28 anos na indústria de IT em Portugal, está desde 2019 em Dublin, onde é Senior Manager na Workday. Como líder de equipas de desenvolvimento de software é apaixonada por assegurar o desenvolvimento profissional dos elementos das suas equipas. Procura sempre liderar projetos que possam contribuir para uma maior diversidade das equipas nomeadamente (mas não só) mais mulheres nas áreas de IT. Mãe, feminista e acérrima defensora dos direitos das crianças. Presidente da Direção da Associação Dignidade.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.