A defesa do Direitos Humanos tem uma longa trajetória que começa longinquamente no direito natural, uma herança mais ou menos laica do ideário judaico-cristão. Não há aqui espaço para a contar toda esta história. Mas vale a pena dizer que a ideia de que há direitos universais a que todos devemos ter acesso pelo simples facto de sermos seres humanos ganhou uma nova vida a seguir à Segunda Guerra Mundial, pela mão de Franklin Delano Roosevelt, essencialmente por três motivos.

O primeiro está intimamente ligado com os anos 1930. A Grande Depressão levou os responsáveis norte-americanos a acreditar que era preciso um sinal forte de que o indivíduo tinha de ser protegido de um mundo de agruras que não vinham necessariamente do seu estado. Em segundo lugar, Roosevelt queria reescrever as regras do sistema internacional, mas para convencer os americanos, precisava de argumentos fortes. Daí ter anunciado a criação das agências especiais das Nações Unidas – recebendo o apoio da população tendencialmente isolacionista – antes de trazer para cima da mesa o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral. Finalmente, e provavelmente a mais importante das razões, é que a narrativa de Wilson, de que o nacionalismo e o internacionalismo tinham uma relação profunda e profícua, caiu por terra e o nacionalismo – devido às versões nefastas que criaram e perpetuaram a Segunda Guerra Mundial – tornou-se ideologia non-grata. Era preciso fazer substituições e o indivíduo, à maneira liberal, passou a ser a ligação entre o Estado e o internacionalismo.

Os problemas relacionados com esta “troca” começaram logo. Quanto mais não seja porque por muito poder que as grandes potências tenham, não conseguem “salvar” todos os indivíduos do mundo. Daí que as narrativas liberais fiquem sempre aquém da realidade, expondo o Ocidente – às vezes de melhor vontade que outras – a todo o tipo de críticas quando age (imperialismo) e quando não age (hipocrisia). Mais: as tentativas de salvar outros de si mesmos, muitas vezes dão mau resultado, como tão bem explicou Roland Paris num livro já antigo, mas que não deixa grandes dúvidas relativamente a erros do passado.

Nos anos 1990 introduziu-se outro problema. Os Direitos Humanos proliferaram. Eram mais, especialmente no que respeita à salvaguarda das minorias. Teoricamente tudo certo. De facto, as minorias, de género, étnicas, religiosas, precisam de ver os seus direitos consagrados, pelo menos em igualdade com todos os outros indivíduos. Mas a necessidade liberal de acompanhar o radicalismo de correntes pós-modernas aplicadas, de que já falámos detalhadamente noutro artigo, tornou a questão dos Direitos Humanos num jogo de soma-zero. E quem ganha? Ninguém.      

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Nas últimas semanas uma episódio mostrou essa realidade. O parlamento húngaro proibiu a exibição de representações da realidade homossexual e transexual a menores de 18 anos. Não me agrada, de todo, a ideia. Viola os tais novos Direitos Humanos e a liberdade de expressão, a criatividade artística. Além disso, esconder a realidade debaixo do tapete nunca ajudou nada nem ninguém, nem em política nem nada vida.

Mas a verdade é que as vozes que se ouviram sobre o assunto foram, ou as mais conservadoras – que insistem em esconder ou contar um conjunto de fábulas sobre a homossexualidade –, ou as mais críticas, que, como disse acima, tomaram conta dos que veem a tolerância liberal e a igualdade de direitos como uma coisa natural.

A verdade é que uma questão que cada vez mais se estava a tornar numa não-questão no mundo ocidental, tal como se esperaria de um sociedade que saudavelmente evoluiu e reconhece as suas injustiças, está a ser reavivada por esta batalha. Se o pós-modernismo acha que somos todos heterossexuais, opressores, então o ultraconservadorismo responde com leis que preservem a hegemonia heterossexual. Em que mundo é que isto faz sentido?

É preciso que conservadores e liberais moderados se unam e ponham os valores das sociedades ocidentais no seu devido lugar. Esta guerra que só aparece na imprensa de vez em quando, por isso podemos dispensar como um “disparate” de outros. Mas não haja ilusões que esta veio para ficar – veja-se a erosão dos partidos moderados e o crescimento dos extremos, como o exemplo mais simples de todos. E o que está em causa nesta guerra cultural são duas visões que pelo seu radicalismo e intolerância não têm nada para oferecer na construção de uma sociedade inclusiva. Mas até agora ninguém lhes tem feito verdadeiramente frente. São fações que querem transformar os Direitos Humanos tais como os conhecemos – em toda a sua imperfeição – e substituí-los por direitos de uma parte da sociedade em detrimento de outra. Vamos ficar de braços cruzados a ver coisas destas acontecer?