Ricardo Salgado foi-se embora. Ou não foi? E quando for, como garantir que não volta? Esta semana, a pátria convenceu-se de que para obter o saneamento bastaria vetar sucessores comprometidos com Salgado. Isso é fundamental, mas parece-me que não iremos suficientemente longe afastando apenas Morais Pires. Já aqui o disse, mas insisto: tanto como Ricardo Salgado, deve preocupar-nos o sistema que fez Ricardo Salgado. Porque senão, livrar-nos-emos talvez deste Ricardo Salgado, mas não do próximo Ricardo Salgado, que terá outro nome, mas será a mesma coisa.

Esta democracia tem uma história financeira, e essa história, até agora, foi a de dois reinados: primeiro, Jardim Gonçalves à frente do BCP, e depois, Ricardo Salgado com o BES. Na sua biografia, diz-se de Jardim Gonçalves: “entre 1995 e 2001, o banco que lidera torna-se dominante. Pouco ou nada se faz em Portugal sem a sua palavra ou influência” (p. 327). Era o tempo de António Guterres. Para o tempo de José Sócrates, entre 2006 e 2011, poderia dizer-se o mesmo de Ricardo Salgado. Não haja equívocos: Jardim e Salgado dominaram mesmo. Geriram enormes activos. Fizeram e desfizeram carreiras e negócios. Mas nunca teriam ascendido a esses cumes imperiais sem a sua notória promiscuidade com a elite partidária. Numa sociedade onde o Estado pesa como em Portugal e está confundido com tantos interesses comerciais e corporativos, só quem dispõe de canais privilegiados com governos e partidos pode “tornar-se dominante”. Jardim Gonçalves e Ricardo Salgado influenciaram políticos. Mas o poder político é aqui primordial. Salgado recuou entretanto porque, aflito e contestado, desta vez o governo não lhe deu a mão e o regulador foi mais severo. É o poder político que explica Jardim Gonçalves e Ricardo Salgado, e não o contrário.

Há quem pense que para evitar o domínio protagonizado por estes plutocratas bastaria eliminar os privados da equação. É um engano. Porque o problema não é o “banco dominante” ser privado, mas haver um “banco dominante”. Domínios e monopólios, sejam públicos ou privados, não garantem qualidade, não incentivam inovação, e significam sempre menos oportunidades para todos. São típicos de economias fechadas, onde predominam as “rendas” e formiga a corrupção. Por outro lado, a estatização talvez evitasse Ricardo Salgado, enquanto descendente de banqueiros, mas não Jardim Gonçalves, que antes do BCP, presidiu ao estatizado BPA. Uma banca integralmente pública agravaria o controle da oligarquia sobre a sociedade, e mudaria apenas os “banqueiros do regime” em “gestores do regime”, sem benefício para os cidadãos.

Qual é então o caminho? Não é certamente o sector público. Foi daí que saiu Jardim Gonçalves. A alternativa é o “mercado”. O mercado não é a ausência de leis e de instituições. O mercado é uma certa configuração de leis e de instituições em que as empresas concorrem entre si através da eficiência e da qualidade dos seus produtos e serviços. Não será o reino da virtude, porque nenhum sistema o é. A sua vantagem está numa maior eficiência e numa certa justiça associada à abertura e à competição. O mercado, neste sentido, está para a economia como a democracia está para a política: é o domínio plural de muitos, assente na capacidade de muita gente para recolher informação, escolher e agir. Se não conseguirmos essa democratização da economia, com mercados abertos e concorrenciais, reguladores atentos e decisivos, e um sistema de justiça eficaz, a única questão é saber quem será o próximo Ricardo Salgado.

 

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