As notícias sobre os problemas das Escolas Públicas são muitas e foram imensas no início do ano escolar. A falta de professores, o envelhecimento destes profissionais, o facto de muitos professores se reformarem anualmente sem que sejam substituídos, a média da idade dos professores ser cada vez mais alta, as greves da Fenprof reivindicando-se melhoria de vencimentos e de carreiras, assim como melhores condições de trabalho, tudo isto tem sido tão repetido que quem não tem filhos em Escolas Públicas, ou mesmo quem tem, já não quer ouvir, não regista, não lhe interessa.

Desliga-se. Tornaram-se um lugar-comum este tipo de notícias e de greves.

Contudo, há sempre um dia em que a nossa atenção para problemas desta gravidade “acorda”, desperta. E, de repente dei-me conta da gravidade e variedade destes problemas. Vejamos alguns.

Bulling e violência. Já há algumas semanas foi noticiado que, numa Escola Pública com ensino secundário, cerca de meia centena de jovens, que me pareceram ter 11/13 anos, bateram tanto num colega, que este teve de ser levado à urgência de um hospital para receber tratamentos e não estava nada bem. A notícia era acompanhada de um vídeo que assustava também pelo número de alunos, todos em cacho, “malhando” num colega, fazendo um barulho assustador. Que capacidade de violência, de insensibilidade, de maldade, tinham aquelas crianças!

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Estes jovens, fizeram bulling ao colega, obrigando-o naquele dia a ir pedir namoro a uma rapariga, de joelhos, no recreio da escola, para “gozarem”, pois sabiam que ela iria dizer que “não”.

Fuga da escola pública, crescimento da desigualdade social. No fim do ano escolar, alguém da minha família telefonou-me para dizer que ia tirar o filho mais novo, de 12 anos, da escola pública para uma escola privada. Não tinha tido no 5º e 6º ano professores “estáveis” em muitas disciplinas e a Matemática, no ano passado, só teve professor em Maio. Os alunos passam muitas horas no recreio.

O filho gostava muito da escola. Os primeiros quatro anos tinham sido muito, muito bons, mas o 5º e o 6º ano foram muito problemáticos. Quando chegou à nova Escola, triste e desconfiado, foi acolhido à porta por um professor e na turma foi surpreendido com a presença de mais cinco ex-colegas cujos pais também os tinham transferido de escola.

Soluções inaceitáveis para a falta de professores. Perguntei a um neto porque é que tinha dificuldade com a Matemática. Houve épocas em que fora bom nessa disciplina. A resposta deixou-me estarrecida. Não teve professor de Matemática no 7º e 8º ano. A solução que a escola encontrou foi destacar para esta turma três professores com horários incompletos, para darem os três a mesma disciplina: um dava aulas às segundas-feiras, outro às quartas e o último às quintas-feiras. (Poupou-se a admissão de mais um Professor!). Provavelmente, julgava ele, os professores não faziam reuniões entre si e as matérias dadas não se articulavam bem umas com as outras. Assim, sente-se com más bases, o que lhe tem dificultado muito o 10º,11º e agora 12º ano.

A abertura de contratação de professores sem todas as qualificações. Um jovem com o 12º ano, com 18 anos, ou pouco mais, candidatou-se a professor da escola pública. Foi aceite, pelo que, de momento (!), desistiu da faculdade.

Uma pequena abordagem da visão dos alunos do secundário quanto à actual situação da escola pública. Combinei então com outros netos, estes atualmente no 11º ano e que estão em escolas públicas diferentes, para fazerem um pequeno inquérito sobre as dificuldades que os alunos têm tido com o funcionamento das escolas e a falta de professores.

Ao fim de três dias consideraram que o inquérito não nos levava muito longe. As respostas eram sempre as mesmas.

Concluíram eles, em duas boas escolas públicas, no centro de Lisboa, que:

  • os anos onde os alunos têm mais dificuldades em ter todos os professores são o 5º, o 6º, o 7º e o 8º;
  • a disciplina onde se sente mais a falta de professores é a de Matemática;
  • assim, disseram que os alunos no 10º ano fogem sobretudo da Matemática e optam mais por áreas sem tanta matemática;
  • os alunos contactados dizem que a falta de professores os desestabiliza, torna-os inseguros, condiciona o seu futuro, pois as suas opções de vida profissional são afetadas pela forma como decorreu o ensino;
  • há muitos alunos a quem os pais arranjam explicadores, mas isso é caro e nem todos têm acesso a esse recurso, que também nunca é solução na medida em que muitos alunos há que não se livram “do trauma psicossocial de não terem um ensino organizado”.

Violência dos pais para com os professores. Tinha pensado que já tinha um bom número de “histórias” para tipificar minimamente a crise nas escolas públicas quando, num telejornal recente, nos é dada a notícia de que numa escola pública duas professoras foram agredidas por várias mães de alunos seus e tiveram tratamento médico ou hospitalar. Uma das professoras não conseguiu voltar à escola. A outra voltou, mas foi de novo abordada por essas mães que a ameaçaram de mais agressões, não só a ela como à família, caso voltasse à escola.

O espanto desta professora era ter 20 anos de ensino e nunca ter tido ou sabido de algo semelhante!

O que se tem deteriorado velozmente: vencimento, carreira, estatuto social e condições de trabalho. Face ao acima relatado, lembrei-me de que eu e os meus irmãos fomos para a escola pública (eu em 1947) numa cidade de província, onde tal não era hábito. Os meus pais foram pedir conselho ao Delegado Escolar, pessoa muito considerada na cidade, que lhes disse: “Ponham os vossos filhos nas escolas públicas (então chamadas Escolas Oficiais), pois é onde estão os melhores professores. Porquê? Porque só no Estado têm reformas iguais ao vencimento; só no Estado têm férias; têm previsto nos horários tempo para preparar as aulas, ver os exercícios e os trabalhos de casa; ganham os 12 meses do ano (não havia 14) e não estão sujeitos a serem despedidos no fim de cada ano escolar. Têm estabilidade no trabalho. Entram para o Estado por concurso público, onde são selecionados os melhores e passam a pertencer ao quadro de pessoal. Têm uma carreira onde estão previstas promoções. Trabalham em edifícios com boas condições. E são reconhecidos, têm um bom estatuto social, que lhes é conferido pelos seus alunos, pelos Pais e pelas entidades locais.”

E nós andámos sempre em escolas públicas. Aconteceu ainda que os meninos de estratos sociais mais altos começaram a ir para a escola pública e a gostar.

Agora percebo melhor as dificuldades dos professores e dos alunos nas escolas públicas, o comportamento destes nos recreios, a falta de respeito pelos professores e funcionários, o esforço que os jovens fazem para acertar na escolha do curso. Nos recreios há muito tempo e espaço para as drogas, para o bulling e para outras asneiradas que os tornam irreverentes, malcriados, por vezes maus. Muito tempo de recreio cansa, desmotiva.

E para completar esta amálgama de problemas, na Assembleia da República foi apresentado por 35 deputados socialistas um projecto lei onde se exige que a escola aceite que uma criança de 6 anos, se o pedir, possa ser tratada por outro nome por querer ter outro género e que se façam obras nas casas de banho das escolas públicas para serem frequentadas em função do género e não do sexo biológico.

Um problema desta complexidade, com efeitos burocráticos, legais, necessidade de grande acompanhamento psicossocial dos alunos, da família e mesmo da comunidade escolar, poderá a legislação atirar para a escola pública todo esse trabalho, fazendo desaparecer por magia o direito de tutela dos pais, o que ainda criará mais problemas a estas crianças no seu meio socio-familiar.

Senhores professores, pais, Comissões de Proteção de Menores em Risco, Juízes, Ministério Público, médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, deputados, autarquias e sobretudo Governo, tratem das escolas públicas, dos seus alunos, dos professores e demais pessoal.

Tratem desta Crise na Escola Pública com bom senso, saber, rapidez e amor.