1. Peço desculpa pelo título algo bélico deste artigo. Mas na realidade todos os dias abrimos os jornais e deparamo-nos com notícias sobre mortes violentas, não apenas as ligadas ao Daesh, que têm um claro significado político e por isso se justificam, mas também as cometidas por indivíduos alvo de bullying, com perturbações psíquicas, ou com problemas passionais. Para além da indústria farmacêutica associada a calmantes e anti-depressivos, não percebo quem poderá beneficiar deste surto diário de notícias (a de hoje um sequestro numa igreja em França).

Há também por aí muita gente a querer matar a geringonça antes de tempo, isto é, antes do final da legislatura. A primeira questão que importa responder é saber quem beneficiaria desta morte prematura. Do ponto de vista político, segundo as recentes sondagens, aparentemente seria o próprio PS a beneficiar agora de uma crise política que levasse a novas eleições. Porém, bem vistas as coisas, todos, incluindo o PS, perderiam e muito com qualquer crise política, pela simples razão de que o país perderia imenso. Como todos sabem Portugal tem neste momento, quer pela estabilidade política que tem evidenciado, quer pelo empenho mostrado em sair do défice excessivo, uma notação estável nas várias agências de rating. A DBRS mantem-nos à tona de água, mas as restantes, que nos colocam no lixo, não agravam nem melhoram a sua notação. Só há uma maneira de melhorarmos os nossos desequilíbrios macroeconómicos: ter crescimento económico, começar de forma consistente uma trajetória descendente do rácio da dívida na produto: o que pressupõe uma redução do défice orçamental, a melhoria da situação financeira das empresas públicas e o parar da sangria de fundos públicos a auxiliar bancos privados e agora o banco público. Não foi no ano passado, devido ao Banif, nem será ainda este ano, devido à CGD, que essa trajetória de redução do peso da dívida se iniciará. Isto significa que só em 2017, com execuções orçamentais adequadas, poderá haver o início dessa trajetória e uma melhoria do “olhar de fora” (outlook) das agências e do olhar de dentro dos analistas. A estabilidade governativa é, obviamente, algo que é e deve ser valorizado e uma crise política, afetaria de imediato a percepção internacional do risco associado ao país com todas as consequências que me dispenso de comentar. Sempre pugnei pela estabilidade política, independentemente do partido no poder, pois é um sinal de maturidade democrática.

2. Os desafios que temos pela frente são, para além de pôr a economia a crescer e criar emprego, consolidar as finanças públicas e reduzir o défice estrutural. Isto remete para um debate, aberto na sociedade e neste jornal, acerca da suposta “austeridade” de esquerda, que estaria a ser travestida em “rigor”. Vale a pena distinguir, austeridade de consolidação orçamental. Por austeridade entendo, as políticas discricionárias de consolidação orçamental de aumento de receita ou de diminuição da despesa que afectam sobretudo as classes de menor rendimento ou mais excluídas na sociedade. Como exemplos, temos o corte de prestações sociais dirigidas a famílias de baixos ou nenhuns rendimentos em períodos de recessão. Foi o caso dos cortes nos valores de referência do complemento solidário para idosos ou no RSI, quando a economia estava em recessão, como aconteceu na anterior legislatura. As políticas de austeridade são, assim, um sub-conjunto das políticas de consolidação orçamental. Todas as políticas que, pelo contrário, permitam diminuir os desperdícios e promover ganhos de eficiência no sector público (por exemplo algumas medidas do SIMPLEX), são políticas de consolidação das finanças públicas, mas não de austeridade. Obviamente que estas são muito mais difíceis de desenhar e implementar, mas é este o desafio principal que se coloca na atualidade à atual maioria governativa.

3. Quem pode matar a geringonça? Os seus apoiantes, se tiverem um comportamento míope em relação ao que está em jogo. Aquilo que está em jogo é termos um país soberano (que não temos economicamente), que respeite não só as liberdades, mas os direitos políticos e sociais, a dignidade das pessoas, os direitos dos animais e a biodiversidade. Para isso há que perceber que os próximos cinco anos serão decisivos, pois serão os mais difíceis. Em 2016, o peso da dívida estará no seu máximo, os pagamentos das parcerias público-privadas é ainda muitíssimo elevado, os juros da dívida que pagamos é exorbitante. O défice deixará de ser excessivo (acima de 3% do PIB), mas ainda é superior ao necessário para reduzir a dívida pública. Temos elevadas necessidades de financiamento nos próximos anos. Todos estes factores melhorarão progressivamente ao longo da legislatura se houver um compromisso de manter a trajetória da consolidação orçamental. O desafio, que reconheço não é fácil, é encontrar os ganhos de eficiência que permitam caminhar numa trajetória de redução de custos de contexto, de recapitalização das empresas e de reforço do Estado. No que toca aos funcionários públicos 2017 será um ano em que apesar de não dever haver aumentos salariais nominais, no cômputo geral do ano, haverá um aumento salarial dado que 2016 foi ainda um ano de cortes parciais. Será também um ano em que se preparará a abertura de carreiras a efetivar progressivamente em 2018. É isto que está no programa do governo, é isto que está nos acordos à esquerda, e é o que, nas condições atuais, poderá ser feito. Mas há sempre quem queira muito mais. Não há mal em querer mais desde que se perceba se se pode ter mais. Uma intransigência no ir para além dos acordos mataria a geringonça.

Professor universitário e deputado independente, eleito nas listas do PS e membro do respetivo grupo parlamentar.

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