A semana passada, a nossa oligarquia política entreteve a pequena parte do país que ainda vê canais noticiosos com duas discussões sintomáticas.

A primeira consistiu em saber quem vai dar mais dinheiro aos funcionários públicos em 2016. O governo, depois de alguma confusão, fez uma oferta modesta: a reposição de 20% do que cortou até agora. O PS reagiu logo com um lance que encerrou o leilão: 100%, como no caso das pensões. Está assim arrematado o voto de funcionários e pensionistas? Veremos nas eleições de 2015.

A segunda discussão foi ainda mais feérica. Tratava-se de saber quem, a propósito do QREN, é capaz de gastar mais dinheiro alemão em menos tempo. O governo julgou-se aqui em terreno seguro. Chegou a proclamar-se campeão europeu do dispêndio de euros germânicos. O PS não lhe reconheceu os louros e insistiu que, com ele, tudo o que viesse da Alemanha seria espatifado num instante. Não sabemos.

Isto foi o que se discutiu. O que não se discutiu foi muito mais. Por exemplo, como pagar as reposições dos ordenados dos funcionários? Ou ainda: está o dinheiro nórdico a ser bem utilizada, ou segue a via misteriosa dos antigos “fundos estruturais”? São assuntos sem relevância. O que importa, pelos vistos, é comprar votos, e da maneira mais grosseira que alguma vez se viu desde os tempos do “carneiro com batatas”. O que interessa é apurar quem é melhor a regar o país com os euros dos alemães, tal como Fontes, no século XIX, o regou com libras inglesas.

No meio destas discussões, Marques Mendes deu uma “boa notícia”: o défice deste ano ficará pelos 3,7% ou 3,8%. Os números do adivinho televisivo já foram devidamente torcidos aqui no Observador. Mas admitamos que estão certos. Como foram possíveis? Segundo Mendes, porque “a receita fiscal está muito acima do previsto”. E isto, para os nossos oligarcas, é uma “boa notícia”. Os trabalhadores e os empresários portugueses ficam assim avisados: o “enorme aumento de impostos” é um dado adquirido, e ninguém vai pensar em descer deste patamar de fiscalidade, porque é a única maneira de haver “boas notícias”. Perante isto, deveríamos talvez perguntar-nos: por que razão a oligarquia não teme os contribuintes? Por que razão trata este país como se só houvesse funcionários, pensionistas, e subsidiados?

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Passámos por três anos de ajuda internacional e de “ajustamento”. Alguma coisa terá mudado: parece que as empresas exportam mais, os particulares voltaram a poupar e Ricardo Salgado já não é o dono-disto-tudo. O que não mudou foi o modo como a oligarquia política concebe a sua relação com a população. Há quinze anos, desde muito antes da “grande recessão”, que o país cresce abaixo do resto do mundo e tem um Estado social comprometido. Talvez se esperasse ver os oligarcas nacionais a competir entre si para apurar quem é o mais reformista, quem tem os melhores projectos para tornar o trabalho e o investimento mais compensadores, ou quem tem as ideias mais sensatas para viabilizar a segurança social e o serviço nacional de saúde. Nada disso. A oligarquia acredita que o “povo” confiará o poder a quem mostrar capacidade de sacar dinheiro à Europa e prometer mais benesses aos dependentes do Estado.

É inútil dizer que foi por este mesmo caminho que chegámos ao resgate de 2011. À esquerda, a culpa foi só dos banqueiros (excepto de Ricardo Salgado, “vítima” do governo neo-liberal). À direita, foi só de José Sócrates. Entretanto, surgem as “alternativas”. Marinho Pinto reúne o seu novo partido. Quem assiste, quem aplaude? Isaltino de Morais.

Estamos assim.