Após os juízes do Tribunal Constitucional terem sido chamados a pronunciar-se sobre a constitucionalidade de normas do Orçamento de Estado, muito foi dito sobre a forma como estes juízes tomam decisões. Várias vozes se levantaram dizendo que as decisões dos juízes do Palácio Ratton são essencialmente políticas. Esta não é uma discussão nova nem se limita aos juízes constitucionais Portugueses. De facto, muitos trabalhos têm sidos publicados sobre comportamento judicial (judicial behavior), uma área que teve fortes desenvolvimentos nas últimas décadas e cujos actores principais continuam a ser os juízes do Tribunal Supremo Americano.

Tendo em conta as implicações que as decisões do Tribunal Constitucional (TC) podem ter, não é de estranhar que se discuta sobre o modo como os juízes são nomeados. A proposta de revisão constitucional (ver aqui ou aqui) que foi largamente discutida debruçou-se também sobre este assunto, entre outros. Assim, enquanto podemos ler na actual Constituição

Artigo 222.º:

“O Tribunal Constitucional é proposto por treze juízes, sendo dez designados pela Assembleia da República e três cooptados por estes”,

a proposta defende que se passe a ler

Artigo 111.º:

 “2. O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, designados da seguinte forma:

a) Sete juristas de excepcional mérito, designados pelo Presidente da República;

b) Seis juízes ou magistrados públicos de excepcional mérito, designados pelo Conselho Superior da Magistratura.

3. Depois de designados pelo órgão competente, os candidatos a juízes do Tribunal Constitucional são sujeitos a confirmação da Assembleia da República nos termos da alínea g) do artigo 83.”

Deste modo, a proposta apresentada defende uma escolha dividida entre o Presidente da República e o Conselho Superior da Magistratura, mas que será sujeita a confirmação da Assembleia da República. A primeira questão a colocar é: acreditando que as críticas feitas aos juízes do TC são verdadeiras, esta proposta de designação de juízes constitucionais será melhor que a anterior? A resposta depende dos resultados que se pretendem atingir. Esta proposta aproxima-se de outros países como Espanha ou Itália, onde o sistema actual parece atingir resultados bem longe dos pretendidos e onde na prática não há diferenças significativas em relação ao sistema português. Por um lado, o Presidente da República (PR) passa a ter um grande peso na designação dos juízes. Mas por qual motivo a Assembleia da República tende a designar juízes com preferências ideológicas semelhantes às suas e o PR não? Nos EUA, aquando da nomeação de juízes para o Tribunal Supremo, presidentes Republicanos nomeiam juízes que partilham em geral pontos ideológicos comuns aos seus e os presidentes Democratas fazem exactamente o mesmo. Naturalmente que, por vezes, há surpresas e alguns juízes votam de forma contrária à antecipada (normalmente juízes nomeados por presidentes Republicanos que acabam por votar de forma mais liberal).

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Por outro lado, ter o Conselho Superior da Magistratura (CSM) com um papel tão relevante na designação dos juízes poderá, muito provavelmente, levar a uma partidarização do CSM e consequente partidarização dos juízes designados por este órgão. Veja-se a situação actual em Espanha, onde o respectivo CSM também nomeia os juízes constitucionais. Na prática, há sindicatos judiciais que estão claramente ligados a um partido político e que nomeiam os seus juízes. O resultado final é essencialmente o mesmo: politização (e até mesmo partidarização) dos juízes.

Uma vez que a conformidade com a Constituição é uma questão fundamental ao restringir a possibilidade dos políticos fazerem valer os seus interesses de curto prazo (a Constituição deverá responder a interesses de longo prazo) chegamos então à segunda questão: devemo-nos preocupar com os juízes do TC e com o sistema que temos neste momento? Serão os juízes do TC português politizados?

Se considerarmos as decisões feitas por estes juízes sobre fiscalização preventiva da constitucionalidade (o tipo de fiscalização da constitucionalidade mais dada a questões políticas) entre 1983 e 2007, a resposta é “sim”. Num estudo conjunto com Nuno Garoupa e Veronica Grembi e no qual colaborei, publicado no Journal of Empirical Legal Studies,  analisámos esse tipo de decisões e durante esse período de tempo. Como seria de esperar, juízes designados pela Esquerda têm uma tendência a votar contra a constitucionalidade das leis. Se considerarmos que a Constituição tem um pendor de Esquerda isto quer dizer que o sentido de voto destes juízes tende a ser a favor de ‘manter a situação actual’. Verifica-se o contrário com os juízes nomeados pelos partidos de Direita. Até aqui, nenhuma surpresa. O que pode trazer preocupações acrescidas é ter uma situação na qual os juízes mudam o seu sentido de voto de acordo com o partido que está no Governo, o que apontaria para uma partidarização dos juízes. Isso foi também o que encontrámos.

Note-se que o estudo não se debruçou sobre os actuais juízes. Parece-me natural que a atenção dada hoje em dia a este tema se prenda com as decisões importantes e com grandes implicações para Portugal que foram tomadas nos últimos dois anos. Se a Troika não tivesse passado por Portugal, provavelmente muitos Portugueses ainda hoje não saberiam que o Tribunal Constitucional não é o Supremo Tribunal de Justiça – e ainda menos o nome de alguns juízes constitucionais.

Por fim, refira-se ainda que os juízes constitucionais Portugueses não são de modo nenhum mais politizados do que os juízes dos tribunais superiores existentes por esse mundo fora. No final de contas é preciso considerar que não há um desenho institucional perfeito e nenhum processo de nomeação de juízes permite chegar a uma situação em que os juízes votam meramente de acordo com a lei. É uma utopia pensar que esse resultado é possível: qualquer sistema de nomeação de juízes poderá permitir melhorar algumas coisas, mas irá inevitavelmente piorar outras. Um passo em frente seria começar por melhorar o sistema partidário e a qualidade de quem é escolhido dentro do sistema.

Sofia Amaral Garcia é “Postdoctoral Associate” no Center for Law & Economics, na Eidgenössische Technische Hochschule Zürich.