1 São os líderes políticos importantes em política? Ou são mais relevantes as instituições, em particular os partidos políticos? As formas binárias de colocar os problemas são geralmente redutoras. Os partidos políticos são importantes pois são determinantes na seleção do pessoal político, a nível nacional, regional e local, bem como na definição das linhas programáticas que enquadram os seus eleitos ou nomeados. Mas como estas são relativamente fluidas, e há cada vez mais uma personalização da política, os líderes acabam por ser relevantes quer nos (in)sucessos eleitorais quer na orientações programáticas. Se a actuação dos partidos define tendências, os seus líderes podem marcar agendas e facilitar, ou comprometer, agendas cruciais para o futuro do país.

Se olharmos apenas para os últimos 20 anos a tendência é clara. Os dois maiores partidos portugueses (PS e PSD) passaram de quase 85% dos votos em 1999 para pouco menos de 65% em 2019. As novidades das recentes eleições legislativas são uma maior fragmentação parlamentar, uma subida da desafeição em relação à política (maior taxa de abstenção) e o contínuo declínio dos maiores partidos. Isto resulta de uma conjugação da inércia política destes partidos (e dos restantes), da sua pouco abertura à inovação, e de factores demográficos que, na ausência de deliberadas mudanças do sistema eleitoral, se encarregam de o mudar. O Chega! chegou à Assembleia da República porque a demografia levou o círculo de Lisboa a ter mais um deputado eleito e os partidos, em particular PS e PSD, se recusam a adaptar o sistema eleitoral às mudanças demográficas, quer de uma forma ambiciosa alterando o sistema para personalização dos mandatos, quer apenas minimalista mexendo nos círculos. A maior fragmentação parlamentar conjugada com uma ausência de cultura política que valorize a negociação e o compromisso (ilustrada agora pela negligência do PS em procurar um acordo maioritário de governação) cria um sério problema para a democracia portuguesa: a sua incapacidade de tomar, e sustentar no tempo, decisões cruciais para o nosso futuro coletivo.

2 O facto de haver eleições a cada quatro anos sobrevaloriza em democracia as decisões com benefícios políticos imediatos, com maiores custos, diferidos no futuro, mas em que os cidadãos não se apercebem que esta relação custo-benefício lhes é desfavorável. O caso típico destas decisões são todas as que têm a ver com os passivos (financeiros, ambientais, etc.) que acumulámos pois não são apercebidas como tais pelos cidadãos. As parcerias público-privadas para construir autoestradas sem tráfego, a poluição excessiva, os aumentos de pensões hoje que sejam insustentáveis pagar a novas gerações são exemplos disso. O maior mérito da anterior legislatura foi alargar aquilo que era um aquis relevante da direita (a relevância dada aos factos e às previsões na formulação das políticas) ao PS. Quando António Costa diz “não creio que seja de esquerda promover défices e aumento da dívida. Ser de esquerda é assegurar boas condições de financiamento das políticas públicas” está completamente certo. Apenas acrescentaria a palavra – sustentáveis – indicando que essas políticas devem poder manter-se no presente e no futuro.

É bom que toda a esquerda do PS e todos os aspirantes à sucessão de Costa percebam isto. Foi esta ideia central que deu a vitória ao PS nas legislativas, e de certo modo esvaziou o PSD. É isto que explica a originalidade do PS-Costa-Centeno português em relação aos seus congéneres europeus e que fez com que, em vez de um descalabro eleitoral, tenha tido um sucesso. A maior dificuldade de Costa será conseguir uma equipa nas Finanças que dê continuidade prática a esta forma de pensar a política na eventualidade de Mário Centeno sair das Finanças. Aquilo que contará em 2023, data normal das legislativas, será o estado geral do país, e não o eventual excedente orçamental de 2020.

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3 As eleições periódicas, são um elemento chave da democracia, mas têm outro grande e talvez ainda maior problema: as democracias tendem a subvalorizar, e frequentemente não implementar, decisões que têm sobretudo custos no presente, mas benefícios muito maiores no futuro. No cálculo eleitoral, para quê estar a arcar com custos hoje se serão, eventualmente, os adversários políticos a arcar com os benefícios? Alguns exemplos. No renovado debate público sobre o SNS, motivado pela declaração de Natal de António Costa e pelo reforço orçamental do OE2020, corroboro a opinião reiterada de Mário Centeno de que há sub-orçamentação na saúde, mas há também problemas de gestão no SNS. Em artigo anterior debrucei-me sobre o que considero ser o principal problema actual do SNS: “Como melhorar a gestão pública para, com poucos recursos adicionais, motivar os seus profissionais?”

Um outro problema, mais complexo, pois numa óptica inter-temporal, é o de saber como devemos alocar os recursos públicos e institucionais na saúde hoje para maximizar os benefícios futuros. Ao analisar brevemente quase toda a informação disponível sobre a diabetes, deparei-me com três realidades que me deixaram perplexo. Primeiro, estima-se que se gaste entre 800 a 1000 milhões com tratamentos de doentes com doenças associadas à diabetes, incluindo internamentos, medicamentos, tiras de glicémia, etc. Ou seja, caso assumamos o valor superior, cerca de um décimo da despesa do Serviço Nacional de Saúde. Segundo, não é possível quantificar de forma minimamente rigorosa a despesa com prevenção da diabetes (a tal despesa que, se adequada, é um bom investimento pois é um custo hoje, mas gera benefícios futuros). Terceiro, existe um programa nacional da diabetes, mas com um sério problema de gestão (tem poucos recursos humanos afetos, e só na anterior legislatura teve três diretores diferentes!).

Outro exemplo, a questão do “inverno demográfico” que estamos a viver. Uma estratégia que se lance hoje, e que terá de englobar duas vertentes – promover a fecundidade desejada pelos casais e uma política de imigração – só terá benefícios no futuro. O governo PSD-CDS, encarou o problema de forma séria, criou uma comissão para o estudar, que fez um relatório seguido de um debate público sobre o mesmo. Só não fez uma coisa: dialogar com o PS que se lhe seguiu na governação. O PS ainda nem considerou o problema seriamente. Tem umas medidas avulsas no OE2020, mas não tem estratégia. Outros exemplos podem ser dados: o desenvolvimento e crescimento ambientalmente sustentáveis, o combate à corrupção, a implementação de sistemas de segurança social que assegurem os direitos das gerações vindouras ou a melhoria da celeridade da justiça. A resposta a estes problemas, que definirão o nosso bem-estar futuro, exige compromissos alargados e com alguma durabilidade na sociedade portuguesa. O aumento da fragmentação parlamentar diminui o tempo que resta para a realização de necessários compromissos de regime pelo que Costa e Rio são, por agora, os melhores sucessores de si próprios. A democracia não é só competição é também cooperação.