Parece brincadeira, mas se alguém quiser ter um amigo pode alugá-lo. No site rent-a-friend colocas a cidade onde vives e o perfil (sexo e idade) do teu futuro amigo e começas a busca. Há novos amigos que se podem arranjar assim. Queres ir à praia e não tens com quem? Queres ir visitar um museu e estás sozinho? Queres viajar e precisas de companhia? Queres ir fazer um picnic e não podes senão fazê-lo sozinho? Jogar um jogo? Provar um vinho? Até praticar um desporto ou andar de bicicleta? Bom, está na altura do aluguer.

Entrei no site rent-a-friend e coloquei-me em Lisboa. Posso escolher o sexo do meu novo amigo. Posso escolher a idade. Os meus futuros amigos têm fotografias, portanto posso imaginar-lhes o aspeto. No site, no total, há 620.000 amigos disponíveis. E, devido à Covid-19, há também serviços virtuais.

O plano standard está nos 25 dólares/mês e os amigos começam a cobrar-me a 10 dólares a hora. E sim, há amigos possíveis em Lisboa. E no Porto. E no resto do país. E também amigos gratuitos. E melhor, se eu começar a ler um ou outro perfil fico com a ideia clara de que quem se apresenta como amigo alugável é também, e talvez, quem mais precisa de fazer amigos. De se completar. De sentir-se acarinhado e envolvido pelos laços da amizade.

Enquanto faço este exercício à procura das formas várias de apresentação da solidão encontro igualmente uma almofada boyfriend que veste um pijama azul e é em forma de abraço e até tem uma mão. Existe a versão feminina. Existem milhares de outras opções de almofadas com ou sem abraços, com ou sem bonecos, para dormir como para me abraçar no carro enquanto conduzo.

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É claro que ao avançar no exercício começo a ficar primeiro perplexo. Depois preocupado. E finalmente objetivamente consternado.

E é claro que compreendo que o fenómeno ainda se agravou com a pandemia. “A solidão mata, mina, destrói a vida que construímos e conhecemos enquanto seres sociais, com todos os defeitos que tenha, e paralelamente assola, também, a lógica de uma certa economia” aparecia escrito num texto meu de 10 de outubro de 2020.

Se o fenómeno da solidão e dos amigos alugados ou emprestados era uma realidade muito nipónica, talvez até asiática onde houvesse poder de compra para alugar abraços ou uma hora de conversa, passou, muito rapidamente, a ser uma realidade das sociedades desenvolvidas ocidentais onde há também, e cada vez mais, afastamento, isolamento e incapacidade para fazer e nutrir amizades.

É claro que tudo isto tem raízes profundas e não cabem no contexto de um artigo de jornal. É claro que os contextos sociológicos e psicossociológicos subjacentes a tudo isto e os pressupostos para tudo quanto procuram mitigar, isto é, as várias dimensões de solidão, preenchendo buracos e buracos de puro vazio, até de abandono uns dos outos, estão mais ou menos determinados. É claro que nos estamos a infligir cada vez mais doses de isolamento e que isso terá, obviamente, o seu preço. E é também claro que as consequências estão à vista ao nível dos novos mercados: de plataformas de amigos a objetos mitigadores da solidão, entre vários outros. Imagino como entram aqui bem os ansiolíticos e os antidepressivos!

Pessoalmente, custa-me ver o tráfico da amizade. Como me custa ver a venda da amizade. Aquilo que sempre tomámos como gratuito, e bom, passou a ser comercializado.

Estamos claramente a assistir ao banquete das amizades com interesse, por interesse. Mas também ao desespero para ter uma amizade. Das amizades como forma de troca de alguma coisa às amizades a qualquer custo. E nunca se viu expressão tão acabada do que acabo de dizer: um site para alugar amigos pode parecer uma brincadeira com a qual me rio e passo em frente. Mas se pensar um pouco, é um sinal de alarme de uma sociedade que anda à deriva. É o retrato acabado, é a metáfora perfeita para os tempos que vivemos.

Onde vai o tempo em que, em crianças, perguntávamos ao miúdo do lado: queres ser meu amigo? E na maior ingenuidade e pureza dávamos a mão porque eramos apenas – e tão grande que isto era – amigos. E de muitos deles ficámos amigos para a vida.