João Pimenta Lopes, deputado do PCP no Parlamento Europeu, condena as “tentativas de reescrita da história”, o que levanta uma série de questões: mas será que uma versão da história, criada numa situação muito específica, é um dogma e não pode ser alterada? Quem decide se a versão é verdadeira ou falsa: o Partido Comunista Português?

Numa declaração publicada no jornal Avante, órgão do Comité Central do Partido Comunista Português, que leio com o máximo de atenção todas as semanas, o citado deputado, que se pretende recandidatar ao Parlamento Europeu, escreve sobre o “reforço do ensino, da investigação e da memória do passado totalitário na Europa”. Estou plenamente de acordo com esta proposta, pois há muita coisa mal contada e explicada, mas isso sem dogmas e com objectividade, que é o que falta ao parlamentar comunista.

João Pimenta Lopes está indignado com o facto de prosseguir “vergonhosamente a tentativa de reescrita da história”, mas a que chama ele “reescrita da história”? “Alimentam a falsificação do passado, criminalizando o comunismo, equiparando-o ao nazi-fascismo, branqueado hipocritamente os que tentaram escravizar uma parte dos povos europeus e promoveram uma aterradora guerra de extermínio”.

Estamos perante uma autêntica “salada russa” cujos ingredientes é preciso separar para ver que o objectivo do deputado comunista é, afinal, não permitir que se toque nos dogmas comunistas. Por exemplo, será assim tão criminoso e tendencioso criminalizar o comunismo, ideologia que esteve na base de acção de regimes que mataram e continuam a matar milhões de pessoas. Senhor deputado, você fez-me lembrar a sua colega Rita Rato que, sendo formada em Relações Internacionais na Universidade Nova, não sabe o que foi o “Gulag” criado por Lénine, Trotski e Estaline. A ela certamente far-lhe-ia bem o programa que você propõe.

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Se os testemunhos pessoais conhecidos antes da queda da União Soviética podiam ser postos em dúvida por alguns incrédulos, a abertura muita parcial dos arquivos soviéticos e mais ampla dos países do “campo socialista” põe fim a quais quer dúvidas: os regimes comunistas, sem excepção, são regimes criminosos.

Quanto à equiparação do comunismo ao nazi-fascismo, eu sou dos historiadores que não tenho disso a mínima dúvida. Pondo de lado a discussão sobre as raízes ideológicas desses extremos, debruço-me apenas nos meios de acção de ambos os regimes, extremamente semelhantes. Veja a forma como a Alemanha Nazi e a URSS comunista tratavam os seus inimigos verdadeiros e imaginários: prisões arbitrárias, julgamentos sumários, execuções e campos de concentração. Para si e para os seus camaradas, os nazis cometiam crimes, enquanto que os comunistas cometiam apenas “desvios”, mas esta demagogia nas palavras não consegue esconder a natureza criminosa de ambos os regimes.

Considero sinceramente que João Pimenta Lopes necessita também urgentemente do «reforço do ensino, da investigação e da memória do passado totalitário na Europa». Mais um exemplo, será que, como ele afirma, a equiparação do comunismo ao nazi-fascismo contribui para o “branqueamento hipócrita dos que tentaram escravizar uma parte dos povos europeus e promoveram uma aterradora guerra de extermínio”? Estranha lógica.

No meu mais recente livro “Os Blumthal”, pessoas que passaram pelos campos de extermínio estalinistas e nazis fazem a comparação das condições de vida nuns e noutros. Se algumas eram da opinião que os campos de extermínio nazis tinham melhores condições, significa que elas estão a branquear Hitler e o seu regime? Claro que não, o que transmitem é que entre Estaline e Hitler venha o diabo e escolha.

Quanto aos que “pretendem apagar o contributo decisivo dos comunistas e da União Soviética para a derrota do fascismo”, é necessário precisar o seguinte: não foram os comunistas que venceram a guerra, mas os povos da União Soviética, a maioria dos quais até poderia odiar Estaline. Recordo que, na Primeira Grande Guerra Pátria contra Napoleão (1812-1814), não havia comunistas e a Rússia venceu a guerra. O papel dirigente dos comunistas soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial é mais do que duvidoso, tendo em conta os erros e crimes cometidos pelo futuro “generalíssimo” Estaline.

E acrescento que o Exército Vermelho não libertou o Leste da Europa, mas substituiu uma ditadura por outra. Claro que mais branda, mas não deixa de ser ditadura.

Mas será por acaso que Vladimir Putin decidiu limitar o acesso aos arquivos soviéticos até 2044? Não sei se viverei até lá, mas gostaria de continuar as minhas investigações sobre, por exemplo, as negociatas entre o Partido Comunista Português e o Partido Comunista da União Soviética, o roubo de parte do espólio do Arquivo da Pide.

Estou de acordo que a Revolução de Outubro teve um grande impacto universal, pois o comunismo, enquanto  ameaça às democracias ocidentais, obrigou os dirigentes destas a dialogar com a sociedade e a criar a Europa social. Os próprios soviéticos não tiveram igual sorte.

Concordo que a União Europeia está a passar por um momento muito mau, o que se torna ainda mais preocupante tendo em conta as capacidades intelectuais e políticas dos seus dirigentes, mas não tenho dúvidas de que vale muito mais lutar pelo progresso da UE do que enveredar por novas/velhas experiências: nazismo e comunismo, mesmo que os extremos se apresentem com o rótulo de “português suave”.