Querida Valentina,

Perdão! Perdão em nome de todos os adultos que não conseguiram ler nas entrelinhas das tuas mensagens e do teu comportamento. Perdão pelos adultos que não te viram com olhos de ver e que não te escutaram com ouvidos atentos. Perdão pelos natais que não vais viver, pelas histórias que não irás descobrir, pelos amores que não irás conhecer. Perdão por teres sido impedida de crescer nos braços daqueles que realmente te amavam. Perdão pelos sonhos que te foram roubados!

Enquanto o país se revolta e chora em silêncio a tua partida, tu entraste noutra dimensão. Não te conhecíamos, mas facilmente sentimos as tuas dores. Porque uma criança não tem culpa. Porque uma criança é luz que se transforma pelas mãos de um adulto que cuida e que ama sem reservas. A culpa não é tua Valentina. A culpa é nossa por não atendermos aos teus pedidos de ajuda! Em vez de te transformarmos em luz, conduzimos-te para as trevas.

Quantos sinais deste de que as coisas não iam bem? Quem desdenhou da tua tristeza? Quem não ouviu os teus protestos silenciosos? Quem olhou no fundo dos teus olhos e não reconheceu algo terrível? Quem não te escutou quando falavas? Perguntas, tantas perguntas! Perguntas cujas respostas levaste todas contigo.

Dói-me o colo vazio da tua mãe. Tenho a certeza que ela jamais se esquecerá da forma como te encaixavas nele. Dói-me o coração ao pensar nos teus irmãos e naquilo a que eles foram expostos. A dor da tua partida será grande para eles. Nos próximos tempos haverá outras dores que os colocarão à prova. Espero que haja adultos que os escutem e que consigam acalmar os seus medos e as suas dores.

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A história da tua vida não deveria ter sido notícia, porque o teu “Era uma vez” merecia um “e viveram felizes para sempre”. Todas as crianças merecem um “felizes para sempre”. Não te posso dar outro final, mas posso dá-lo a outras crianças. Do teu fica-me a consolação de o poder reescrever: “Era uma vez, uma menina que se chamava Valentina. Uma menina de olhos doces e cabelos que guardavam as ondas do mar. Uma menina cujo corpo se transformou naquele primeiro raio de sol que nos entra pela janela ao acordar porque ela era luz… Era sempre luz.”

Valentina, desculpa! Em vez do raio de sol, deverias ser uma criança que todos os dias o receberia de braços aberto.

Até sempre!

Um beijinho,

Cláudia Augusto

Investigadora do projeto Healthy Children 2021, desenvolvido
pela U. Minho e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian