A hecatombe da direita nas eleições europeias de domingo foi benevolente: atingiu novos e velhos, tradicionais e arrivistas, institucionais e challengers por igual. Os dois grandes partidos – PSD e CDS – tiveram resultados assustadores de baixos. E nem há a possibilidade de se aventar a possibilidade de os eleitores não se reverem neles, porque desta vez houve alternativa abundante.

Tivemos o movimento demagógico e nacionalista, do populista wannabe – mais dos interesseiros que se lhe juntaram, cuidando que seria fácil ocuparem o lugar de eurodeputado depois do (falso) messias cabeça de lista (com um enorme, gigantesco, titânico respeito pelos eleitores) recusar o cargo para que seria eleito, regressando a Portugal para as legislativas. Não seduziu os eleitores.

Tivemos os conservadores que se dizem liberais (a IL), com um cabeça de lista reacionário que em tempos propôs que o estado devia pagar para as mulheres ficarem em casa a ter filharada e cuidarem dela. Entenderam propor para uma instituição, que tem na liberdade de circulação de mercadorias, bens, pessoas e capitais um dos seus mais antigos pilares, o mesmo cabeça de lista, que já defendeu com vivacidade o protecionismo. Sabe-se lá como, os eleitores também não aderiram a um partido novo cheia de gente ‘liberal’ (ataque de tosse) e mostrando já o tão bom hábito da inconsistência de ideias.

Tivemos o Aliança e, mais uma vez, os eleitores torceram o nariz a votar num partido que não é nada além de um projeto pessoal destinado a garantir que Pedro Santana Lopes continua a ter vida política.

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Dos partidos crescidos, Nuno Melo aventurou-se para a sedução da extrema-direita e para um eleitorado muito conservador – que aparentemente não existem em grandes números para serem seduzidos. E o PSD, bom, os eleitores também não se deliciam em votar em partidos cuja mensagem inicial é quererem ser os irmãos mais novos preferidos do PS. Ajudando à festa, ambos entenderam ser tática ganhadora manterem os mesmos cabeças de lista em três eleições europeias seguidas.

Conclusão: os eleitores não gostaram de nenhuma das alternativas de direita. E, em boa verdade, até foram inteligentes. Porque a direita, a nova e a tradicional, está às aranhas na hora de perceber as necessidades dos eleitores e os assuntos e os valores que os interpelam e fazem ir votar.

Reconheçamos: não vem de agora. Vem, pelo menos, desde que Manuela Ferreira Leite foi ministra das Finanças. A direita endeusou as contas públicas como fim último da política. Não percebeu que as contas públicas sustentáveis não são um fim em si mesmo, ao qual tudo tem de ser sacrificado. Fareed Zakaria ontem, nas Conferências do Estoril, dizia que a ‘dor infligida’ aos países da Europa do Sul com a austeridade era a maior dos últimos anos fora períodos de guerra. Esta tese começa a ser geral nas instituições internacionais. No entanto, por cá, a direita ainda acrescenta um discurso moralista intragável sobre consumismo desenfreado num país que é pobre e vive com ordenados que mal chegam ao fim do mês – quando os prevaricadores que nos põem em trabalhos são sempre públicos.

À direita passou ao lado que as contas controladas são apenas um meio, somente instrumentais para manter o ambiente económico saudável. Que o que apaixona as pessoas são as possibilidades para as suas vidas, ambicionar melhores empregos, concretizar sonhos e projetos, participar na construção de uma sociedade melhor, dar oportunidades aos seus filhos – e mais umas coisas, mas nunca as percentagens do défice ou da dívida pública. Tanto assim foi que a direita só teve confiança do eleitorado quando se tratava de arrumar as contas públicas. Para tudo o resto não serve – dizem os eleitores. E têm razão.

As gerações mais novas estão alegremente divergentes do que a direita defende. A direita que se pretende nova e inovadora (mais o CDS, em versão europeias 2019) pensa que o conservadorismo bafiento é o que o eleitorado quer. O PSD tem algumas boas ideias – teve uma lista paritária para as europeias, falou de assuntos relevantes – mas tem lá dentro os adoradores do PS que, por outro lado, odeiam ferozmente Lisboa (com dois milhões de votos e 30% da população do país na sua área metropolitana, pelo que é ótima estratégia), e convive com o PSD passista que também se apoquenta muito com o marxismo cultural e a ideologia de género.

Os eleitores, por sua vez, e sobretudo os mais novos, vivem a anos-luz. Interessam-se pelas questões ambientais – sim, aquelas que com que a alegada intelligentzia de direita goza interminavelmente, retirando evidente prazer de insultar uma adolescente chamada Greta Thunberg. E fazem os jovens muito bem: estão a lutar pela sobrevivência, literalmente. (Os pais deles estão solidários, já agora, o que gera números interessantes no que concerne a eleições.) Valorizam os assuntos da diversidade, do feminismo e dos direitos das mulheres, da proteção de minorias, das injustiças raciais. Não são cegos – ao contrário das luminárias de direita – para a crescente desigualdade que o capitalismo atual tem gerado. E, como ainda não estão instalados no seu lugar na vida, vislumbram como podem ser negativamente afetados por esta centrifugação do capital e dos rendimentos que aumentam apenas para determinados grupos.

A direita pode escolher olhar para estas questões e dar-lhes resposta. Ou pode gozar com quem as levanta. E sobranceiramente querer convencer os votantes que devem aprender o que é importante com os seus melhores (novo ataque de tosse). E continuar a perder votos. Nem se trata de mudar alguma coisa para tudo ficar na mesma. Não, é mudar para sobreviver. Se não mudarem, e como o vazio não existe, bom, há partidos que representam as causas que interpelam o eleitorado. Os eleitores têm onde votar.