1 Pode ser que eu esteja enganada. Ou com a lente politicamente desfocada. O caso é que me pareceu ver na orgânica do novo governo a sinalização – intencional, obviamente – de António Costa sobre o real posicionamento do PS na sociedade portuguesa. Desfazendo equívocos e afuguentando inoportunas veleidades. É verdade que sobre o novo executivo já se disse o que logo marcou ou surpreendeu: o ar rarefeito em que irá actuar, apesar de escolhas que mais não fazem do que certificar o fechamento; a sua colossal dimensão; a indispensabilidade de Costa em se ver rodeado pelos “seus” para respirar politicamente; a inclassificável surpresa do alto estatuto subitamente atribuído a um advogado de negócios mesmo que se queira, como se quer, passar a mão pelo maltratado pelo de empresas e empresários — mas se calhar sou eu que faço mais cerimónia do que António Costa com o que deve significar a palavra “Estado”; a também súbita aparência de secundarização de Mário Centeno sem o qual aliás gostaríamos de saber como teria decorrido a vida do chefe do governo até hoje; a constatação embaraçosa de que o naipe governativo foi facetado para um determinado prazo de tempo e não para todo o tempo; a demagógica decisão de pôr fim aos parentescos de sangue que se sentavam à mesa do poder. (Em que ficamos? Se não era “um problema”, porque se reconheceu que afinal o era, ao tirá-lo da frente?) E last but not least, a ideia — constrangedora — que a sua orgânica algo “desarrumada” não só não promove como quase tolhe a vontade reformadora e a agilidade na decisão.

Enfim, está visto e dito. Mas algo retive para além do dito e visto. E essa coisa, é coisa boa.

2 Retive a intenção do chefe do governo em sublinhar que o PS se mantém fiel à “marca” da casa. Às suas raízes. O que não é fazer, nem dizer pouco. Mesmo que na mente ou na vontade do Primeiro Ministro nunca tenha deveras ocorrido afastamento dessa órbita, o líder socialista fez avisos e emitiu sinais. O conferir o estatuto de ministros de Estado a dois políticos e a um advogado que claramente se situam no perímetro da esquerda moderada ou na esteira da social democracia, só pode ser visto como um sinal disso mesmo. O lembrete precisou porém de ser accionado, havia alguma desencorajada perplexidade em certos sectores socialistas: é que mesmo tendo em conta não ser confundível uma matriz política com o que, nos últimos anos, foram as conjunturas concretas da acção política do PS, muitas dúvidas eram permitidas. E a ascensão ao olimpo de certos protagonistas, transformou-as em certezas: por alguma razão se preferiu lembrar agora — agora, ganhas finalmente as eleições — que o PS mantém a sua matriz original e identitária. Como me dizia há dias Fernando Medina, um dos ex-libris dessa matriz: “o PS é um partido social democrata, europeísta, de grande implantação nacional com uma agenda de progresso económico e social. E como grande partido do centro esquerda o PS nunca alienará a sua autonomia estratégica. As eleições mostraram isso mesmo, acentuando a dimensão de ‘grande partido popular’ que Mário Soares afirmava.”

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