Uma semana após ter chamado a atenção para a profunda gravidade com que o declínio demográfico se arrasta há décadas no país, a comunicação social falou de novo no assunto mas, como sempre, minimizou o envelhecimento da população e varreu para debaixo do tapete as enormes consequências sócio-económicas e financeiras vividas há décadas pelo país, nomeadamente a falta de força-de-trabalho qualificada e o poço sem fundo das reformas. Quanto aos governos, pior!

A desculpa é o apelo à imigração quando é a emigração que continua ser maior que a primeira, vindo os imigrantes cada vez menos para trabalhar e mais para aproveitar os preços baratos! Ora, sete anos atrás, a equipa de demógrafos dirigida por Mário Leston Bandeira fez o levantamento exaustivo da população do país nesses 60 anos, tendo sido concebidos nove cenários até 2060. Ora, com maior ou menor ritmo, todos eles vão no mesmo sentido! No limite, a quebra populacional poderá atingir oito escassos milhões de habitantes.

Uns mais, outros menos, os governos que se sucederam a Cavaco Silva no fim do século XX recusaram-se a reconhecer a gravidade do fenómeno do envelhecimento, medido pelo número de seniores com 65+ anos relativamente aos juniores com menos de 15. Entretanto, o índice de envelhecimento em Portugal, estimado em 120%, já se elevou a 170 velhos para 100 jovens em 2021. Porém, nos referidos cenários, o aumento do índice de envelhecimento pode variar entre o triplo e o sêxtuplo!

Contudo, a maioria dos comentadores continua a não reconhecer a irreversibilidade da queda da fecundidade registada desde 1980, quando esta desceu abaixo da taxa de substituição das gerações (mínimo de 2,1 nascimentos por mulher fértil), remetendo as causas da queda da fecundidade para dificuldades económicas que eram, obviamente, bem melhores do que antes!

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Remendos como o arcaico «abono de família», de inspiração católica, servem apenas para diminuir o rendimento das mulheres e para tentar justificar a falta de creches e de escolas infantis gratuitas e de boa qualidade, como aquelas que existem em países efectivamente laicos como a França, onde o índice de fecundidade devido à imigração muçulmana é bem mais elevado do que Portugal. Quanto a nós, estamos neste momento classificados como o segundo país mais envelhecido do mundo, abaixo do Japão!

Entretanto, o «divórcio» literal e figurado entre casais não cessa de contribuir para o recuo de bébés sine diae. Isto para não falar da crescente idade das mães, cuja maioria já remeteu os nascimentos para a «trintena», quando não a «quarentena», com a respetiva perda natural de fecundidade, conforme acontece também com os homens. Como se um casal informado não soubesse que a fecundidade diminui com a idade e pode transformar-se rapidamente em esterilidade. Em suma, estratégias que apenas contribuem para a diminuição da população mas que nenhum casal sem filhos reconhecerá como sendo da sua responsabilidade mas sim da «sociedade»… ou mesmo do «capitalismo»!

Com efeito, governantes e comentadores preferem responsabilizar os imigrantes que pouco imigram para Portugal. Em todo o caso, durante o século presente, os emigrantes foram quase sempre mais do que os imigrantes. Na realidade, tanto governantes como comentadores, deliberadamente ou mal informados, parecem não perceber que a escassez de imigrantes não é a causa mas sim o efeito da estagnação económica. Para não falar da barbaridade com que eles são tratados pelas autoridades locais: que imigrante quer ser assassinado ou torturado em Portugal?

Por outras palavras, o facto de Portugal não receber imigrantes que compensem a quebra demográfica resulta, sim, de uma economia estagnada como aquela que os governos assumiram desde a entrada no «euro», isto é, baseada em serviços sem qualificação profissional, como o turismo e a construção civil, cuja produtividade é baixa. Acresce que é bem conhecido o facto eminentemente político de este tipo de serviços e a pequenez da grande maioria das «empresas nacionais» – a chamada pequena burguesia – ser não só responsável pela baixa produtividade do país, como ter estado sempre ligada ao conservadorismo que sustentou o «salazarismo» e foi agora resgatado pelo PS de maneira a segurar os seus votos.

Last but not least, o envelhecimento da população trabalhadora é como um disco rachado: causa e efeito, simultaneamente, das reformas baixas mas iniciadas cedo de mais e da escassez de profissionais devida ao declínio demográfico cujas qualificações continuam longe da generalidade dos países da UE. É este contexto auto-reproduzido pelos governos PS antes mesmo do fim do século XX, através nomeadamente da reprodução alargada de licenciados com qualificações cada vez menores, o que explica por que razão Portugal está hoje a dois ou três lugares do fim da tabela europeia. Tudo leva a crer, infelizmente, que as eleições de Janeiro de pouco servirão para mudar as coisas: qualquer dos «partidos grandes» está preso na espiral dos défices!