Na semana passada Joe Berardo prestou declarações no Parlamento e provocou uma verdadeira revolta popular. E com razão. A desfaçatez do Comendador foi realmente estupenda. Aliás, foi das maiores desfaçatezes de que há memória neste país. Pese embora ter sido imediatamente suplantada por outra desfaçatez ainda maior. Nomeadamente a desfaçatez com que vários responsáveis políticos assinalaram a desfaçatez de Joe Berardo depois de durante anos terem achado imensa graça que o Comendador, com o dinheiro emprestado pela CGD, andasse a fazer favores aos governos que eles próprios integraram. Digamos que a desfaçatez de Joe Berardo teve o mesmo azar que Luís Figo, um jogador incrível com condições para ser a referência do futebol português do século XXI durante décadas, só que depois apareceu logo o Cristiano Ronaldo.

Nesta comissão de inquérito foi também muito comentado o advogado de Joe Berardo, que passou o tempo a cutucar o seu cliente e a segredar-lhe as respostas a dar aos deputados. Confesso que não me espantou ver o causídico industriar o seu cliente de forma tão recorrente. Afinal os últimos anos mostram claramente que, mais do que a receber Comendas, Joe Berardo é fortíssimo a receber encomendas. Basta lembrar, por exemplo, como o governo de José Sócrates lhe encomendou que votasse ao lado do Estado na OPA da Sonae à PT, ou lhe encomendou que reforçasse a sua posição no BCP para ajudar os socialistas a tomarem conta do banco. No fundo, Joe Berardo é o moço de recados que tem as calças com os maiores bolsos do mundo. É do género “Ó Joe, toma lá mil milhões e vai votar para não nos sacarem a PT”. E “Ó Joe, leva lá mais mil milhões e vai pôr-te ao lado daqueles amiguinhos para entrarmos pelo BCP adentro. E guarda o troco. Compra qualquer coisa bonita para ti, homem.”

Mas atenção. Não nos precipitemos a julgar Joe Berardo no caso BCP. Sim porque hoje, olhando para trás, é fácil criticar, mas na altura até… Não, na altura também era bastante fácil criticar, na verdade. Ainda assim houve quem não vislumbrasse motivos para tal. Como Marcelo Rebelo de Sousa. Tanto é que o na altura comentador político televisivo elegeu Joe Berardo a figura do ano 2007 na economia portuguesa pelo papel decisivo que tinha tido na definição do futuro do BCP. E é aqui que se percebe que realmente Marcelo Rebelo de Sousa evoluiu muito como político. O que o homem tem trabalhado, selfie atrás de selfie, para melhorar as suas poses. Hoje em dia seria impensável Marcelo Rebelo de Sousa ficar tão mal na fotografia como ficou neste registo com mais de dez anos que foram agora desenterrar.

Enfim, para sermos justos é preciso reconhecer que nestas moscambilhas envolvendo Joe Berardo há profundo infortúnio. Ou melhor há, digamos, metálico infortúnio. Se não, atentem. Um homem que fez fortuna na África do Sul com minas de ouro; que é dos indivíduos que em Portugal tem uma testa com mais ferro; um investidor que, como referiu por estes dias Marques Mendes, teve na audição parlamentar uma “monumental lata”; este mesmo homem não conseguir devolver hoje à CGD, sequer, uns míseros cobres é uma imensa falta de sorte. Mas pronto, acho que a vida de um grande investidor é isto mesmo: umas vezes ganha-se muito dinheiro, outras vezes perde-se muito dinheiro. Que neste último caso, normalmente, é dos contribuintes.

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