O aparecimento e, sobretudo, o crescimento do Chega não devia espantar ninguém.

Em Portugal, a extrema-esquerda, através do BE, tem representação parlamentar desde 1999. Desde essa data, o BE cresceu em votos e deputados e, pondo em prática as ideias gramscianas, instrumentalizou politicamente um série de temas, incluindo o preconceito, visando uma mudança na sociedade que permita acabar com o regime democrático. Este plano estratégico-táctico, aliado a uma intransigência – apesar do BE facilmente se vender conforme comprovam as votações nos Orçamentos de Estado e outros diplomas – foi potenciado pelo que os bloquistas significaram para António Costa: o poder. Sem o BE, António Costa seria o epítome do derrotado. E o custo do poder foi a permissividade. Já o afirmei anteriormente e repito-o: o PS de António Costa, que deve ser co-responsabilizado pelo que se passa em Portugal, nada tem a ver com o PS de António Guterres ou o de Mário Soares.

Esta convergência de circunstâncias possibilitou ao BE fazer alterações na lei que começaram a afectar os sustentáculos da sociedade e da cultura portuguesa. O frequente questionamento da estrutura familiar, a doutrinação ideológica no ensino – através dum revisionismo que, em vez de aprender, procura apagar o passado possibilitando que o mal possa regressar mais facilmente –, a tentativa de coarctar a liberdade de expressão sob a ameaça de processos judiciais e, sobretudo, a campanha de banalização da autoridade, tudo com a conivência e consentimento do PS, são factores que ajudam a compreender o Chega.

Perante tanta impunidade e complacência num sistema político que há 21 anos está a ser subvertido pela extrema-esquerda, o Chega pode ser percepcionado como um reequilíbrio pelo qual até alguns moderados demonstram tolerância. Assim, em 2019, 20 anos depois da extrema-esquerda, e pela primeira vez desde 1975, a extrema-direita, embora em manifesta disparidade, passou a ter representação parlamentar. Não tenham a mínima dúvida que esta diferença é apenas temporária. E é com base nesta ideia que vou considerar o seguinte cenário.

Reconhecido pelo Tribunal Constitucional, o Chega apresentou um manifesto onde se declarou como “um partido nacional, conservador, liberal e personalista”. É perfeitamente natural que tenha atraído um conjunto de pessoas, mais ou menos anónimas, que ao longo dos anos defenderam posições similares às do Chega e que nunca esconderam o seu pensamento político. A história comprova que nenhum extremo, seja da direita ou da esquerda, defende a liberdade. E eu não apoio extremismos. Porém, respeito a diversidade de pensamento e, como pluralista, considero que nem a extrema-esquerda, nem a extrema-direita devem ser silenciadas.

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André Ventura está demissionário desde que questionaram a sua votação no estado de Emergência. Não creio que tenha sido o único motivo para a sua demissão, mas o que é certo é que há descontentamento no Chega. Ventura confirmou que o Chega “passou para um modelo mais presidencialista de governação interna” e que as eleições diretas decorrerão a 5 de setembro e a Convenção Nacional nos dias 19 e 20 do mesmo mês. Ou seja, André Ventura quer afirmar a sua autoridade para demonstrar, principalmente internamente, quem manda no Chega.

É indesmentível que André Ventura é o rosto do partido e é inquestionável que o Chega cresce nas intenções de voto. Também não é descabido considerar que Ventura poderá ser a alternativa ao voto em Marcelo Rebelo de Sousa. Então, sabendo-se que tudo o que Ventura fizer agora servirá para o crescimento do partido, que motivo existe para que a oposição interna do Chega se manifeste agora? Não será mais vantajoso tirar André Ventura da liderança do partido depois das legislativas, quando a sua utilidade tiver dado frutos, e o Chega tiver um grupo parlamentar com dez ou mais deputados?

Como será a vida parlamentar com equiparação representativa entre o BE e o Chega? Como irão os restantes partidos lidar com a situação? A estabilidade só poderá acontecer sem qualquer ligação aos extremos. Talvez com uma maioria do PS ou com um bloco central? Talvez? Seja como for, um Parlamento com ambos os extremos representados poderá significar um crescendo de confrontações. Felizmente, existem outras opções. Perante o crescimento do extremismo é cada vez mais importante a participação cívica dos moderados e de dar voz a quem defende os valores liberais no espaço público.

Ora, este cenário está baseado nos pressupostos de hoje. Daqui a seis meses – quando os políticos que agora são populares estiverem sob pressão, quando, nem com a ajuda da UE, for impossível disfarçar o descontrolo – tudo estará diferente. Nessa altura, será possível evitar confrontos?

Apenas equacionei um cenário. Mas vai ser muito interessante ver a composição das listas de deputados nas próximas eleições legislativas.