Dois eventos políticos da maior importância vão ter lugar esta semana: o referendo britânico sobre a UE, na quinta-feira, e as eleições parlamentares em Espanha, no domingo. Ambos merecem ser seguidos com a maior atenção (na verdade, ambos serão discutidos logo na semana seguinte na 24ª edição anual do Estoril Political Forum, promovido pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica). E, perante ambos, creio que enfaticamente se recomenda prudência e moderação.

No caso espanhol, creio que uma das principais questões em jogo é a de saber qual será o resultado do PSOE, o nobre partido socialista de Felipe Gonzalez que viabilizou a “transição pactada” do franquismo à democracia, sob a égide de Adolfo Suarez e, sobretudo, do Rei Juan Carlos. Se o PSOE perder o segundo lugar nacional para a inqualificável coligação inter-comunista do Podemos com a Esquerda Unida, a democracia espanhola entrará em águas de elevada turbulência.

Todas as democracias do Ocidente têm tido os seus alicerces na concorrência civilizada entre partidos moderados, do centro-esquerda e do centro-direita. A propositada expressão “civilizada” (que por certo chocará os extremistas de ambos os lados) designa aqui a concordância de fundo com as regras das democracias parlamentares e das economias de mercado. Não é seguro, para dizer o mínimo, que a coligação Podemos/Esquerda Unida subscreva essas regras.

Perante essa ameaça, creio que a posição mais sábia, talvez paradoxalmente, será a de não aumentar a crispação. A Espanha precisa de voltar a ser capaz de gerar um vasto entendimento central, apoiado nas vantagens da democracia e da economia de mercado. Os socialistas do PSOE fazem indubitavelmente parte desse entendimento central.

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No Reino Unido, como é da praxe, o problema é outro. Ao contrário do que tem sido dito por muitos analistas, devemos saudar o facto de a divisão sobre o referendo ter fundamentalmente passado pelo interior do partido conservador — o mais antigo partido de todas as democracias ocidentais, convém recordar.

Isto impediu no Reino Unido que a liderança da campanha para sair da UE fosse assumida por partidos radicais (que, aliás, nunca ali tiveram expressão parlamentar: o UKIP tem um único deputado, em 650). Por outras palavras, isso impediu que a campanha para sair da UE fosse liderada por partidos como a Frente Nacional, em França, ou como outros partidos similares que crescem a olhos vistos no continente, incluindo o Syriza, que dirige o governo na Grécia. Tragicamente, não terá ainda assim impedido o brutal assassinato da deputada trabalhista Joe Cox por um demente. Mas a unânime resposta nacional a esse acto tresloucado reafirmou que a democracia nunca está em causa no Reino Unido.

O grande desafio britânico, qualquer que seja o resultado do referendo de dia 23, consiste na preservação da unidade do partido conservador. Essa unidade é fundamental para suavizar o impacto do resultado do referendo numa atmosfera de forte divisão. A moderação, que foi mantida até agora entre o Primeiro-Ministro David Cameron e o Ministro da Justiça Michael Gove (os líderes conservadores das duas campanhas rivais), deve absolutamente ser preservada — embora, obviamente, isso não vá ser fácil.

Quanto à União Europeia, também ela precisa de prudência e moderação. Existe obviamente um mal estar nas nações europeias. As suas origens são certamente discutíveis. Mas é um facto que esse mal estar está a ser explorado por partidos radicais com a tecla comum da crítica à sempre crescente integração supra-nacional (usualmente designada por “mais Europa”).

Num livro sobre Portugal, a Europa e o Atlântico, prefaciado em 2014 por Manuel Braga da Cruz, procurei argumentar que não é preciso inovar sobre a melhor forma de lidar com esse mal estar. Basta restaurar as boas e velhas tradições liberais-democráticas no interior da UE. Se há um conflito, ele deve ser assumido e civilizadamente absorvido pela democracia. Voltei a este argumento no livro que acabo de publicar sobre The Anglo-American Tradition of Liberty: A view from Europe.

Basicamente, esse argumento sustenta que o dogma de “mais Europa” deve ser abandonado como sinónimo de europeísmo. Tem de ser possível advogar menos integração supranacional sem por causa disso passar a ser anti-União Europeia. Isto mesmo foi de certa forma sugerido pelo polaco Donald Tusk, actual Presidente do Conselho Europeu, quando afirmou recentemente que os sonhos utópicos de maior integração estão a afastar as populações do ideal europeu.

Por esta razão, os partidos europeístas centrais — socialistas, liberais e populares — devem ser capazes de dar voz no seu interior a disposições contrárias a maior integração supranacional (à semelhança do que sucede no partido conservador britânico). Se não o fizerem, essas disposições vão continuar a exprimir-se em partidos radicais e anti-democráticos — por contraste com o que sucede no Reino Unido.

Winston Churchill costumava descrever a cultura política britânica como a do compromisso e da moderação. Em 1934, por exemplo, escreveu:

“Em Inglaterra, as opiniões políticas crescem como árvores que lançam sombras sobre si próprias através dos seus ramos. […] Nos nossos assuntos, tal como nos da natureza, há sempre contornos pouco nítidos, zonas de transição, compromissos, anomalias. Poucas linhas são desenhadas rigidamente.”

Façamos votos para que este espírito de compromisso e moderação possa ainda prevalecer.