Desde o dia 1 de Dezembro de 2021, e até ao dia 20 de março de 2022, não posso ir almoçar ou jantar a um restaurante sem um teste negativo à Covid-19. Não posso porque decidi não ser vacinado. Por um lado, porque sou jovem e saudável e a probabilidade de ser sequer internado é residual, por outro porque já tive covid, o que me confere pelo menos uma imunidade parecida à da vacina, mas acima de tudo porque esta é uma vacina de proteção individual e não comunitária, e quem se quis proteger, já está protegido.

A verdade é que até dia 20 de março de 2022 não posso ir espontaneamente almoçar a um restaurante. Não é a maior privação que já vivi desde o início da pandemia, mas é uma restrição gratuita da minha liberdade individual, castigo por me ter atrevido a exercer uma outra liberdade individual, a de não ser vacinado. É a confirmação de que mesmo num país em que houve uma adesão massiva à vacinação, há uma intenção clara de separar dois grupos, os vacinados, que merecem ser premiados, e os ditos negacionistas, agora renegados.

Podia-se dar o caso de a medida fazer sentido. Podia, mas não faz. Ora veja-se. O grande sustento teórico é que os não vacinados constituem um risco de transmissão, à partida baixo, porque são poucos, mas ainda assim um risco. No entanto, há dois factos que já ninguém desmente sobre a vacina: primeiro, a vacina não impede a infeção e segundo, a eficácia que tenha, diminui de forma relativamente rápida. A ciência até vai mais longe. O próprio Observador noticiou que um grupo de cientistas detetou picos de carga viral similares entre vacinados e não vacinados, quando infetados pela doença, um dado especialmente relevante quando se decide que pessoas não vacinadas não têm o mesmo direito de jantar num restaurante. Se a vacina impedisse a infeção, ninguém conseguiria explicar o brutal aumento do número de casos por toda a Europa, e especialmente em Portugal, em que 88% da população tem o esquema vacinal completo.

Tudo isto se torna ainda mais evidente à medida que novas e inevitáveis variantes vão aparecendo, mais infeciosas e com menos resposta por parte das vacinas atuais. À medida que a Covid-19 se torna uma doença endémica, será necessário, à semelhança da gripe, desenvolver novas vacinas para proteger a população mais vulnerável. As urgências vão continuar a encher no inverno, como sempre aconteceu. O que não cabe na cabeça de ninguém é que todos os anos vamos ter de vacinar duplamente a população inteira. Até porque o mito da imunidade de grupo finalmente caiu (curioso como todos nos esquecemos que esse era o grande objetivo da campanha de vacinação).

Isto leva-me ao último ponto, talvez o mais relevante. Escapa-me como é que, ao fim de dois anos de pandemia, se continue a falar tanto da importância da vacina, se tomem tantas medidas com base na taxa de vacinação, e que se fale tão pouco da importância da prevenção e do tratamento. A prevenção continua a ser, incompreensivelmente, a ovelha negra da medicina. O excesso de peso, por exemplo, aumenta 47% a mortalidade por Covid-19. E não houve, até hoje, uma campanha em Portugal dedicada à prevenção dos efeitos da Covid-19 via redução de peso, seja por via de uma alimentação mais saudável ou de um estilo de vida mais ativo (até se chegou a proibir várias formas de exercício físico). A grande novidade é que agora também o tratamento é deixado para segundo plano. A Agência Europeia do Medicamento (European Medicines Agency, EMA) aprovou recentemente um medicamento que reduz 50% a probabilidade de hospitalização ou morte mas, que seja público, o Governo ainda não se apressou a encomendar nenhuma dose. Ao contrário do que fez com as vacinas para as crianças dos 5 aos 11 anos caso em que, no dia em que recebeu aprovação da EMA, e sem saber se irá ter aprovação da DGS, tratou logo de anunciar a encomenda de 762 mil doses. E faço alguma força para evitar entrar pelas dezenas de estudos científicos publicados, revistos por pares, que mostram os efeitos tremendos de alguns medicamentos já existentes e amplamente disponíveis, cuja eficácia, se vier a ser provada (apesar de não saber que provas faltam), fará da inação dos governos e do seu estado de negação face a estas terapêuticas uma mancha indelével na história da humanidade e na gestão desta pandemia.

Vivemos em tempos estranhos, pouco racionais, em que é muito fácil restringir e cada vez mais difícil libertar, num país em que tanto nos orgulhamos de ser os mais bem-comportados. Desde dia 1 de dezembro pertenço ao grupo dos renegados. Oxalá resista a juntar-me aos resignados.

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