Fui convidado como orador de uma sessão de formação de professores no Auditório Romeu Correia, em Almada, cujo tema era «A Escola Que Temos, A Escola Que Queremos…», sessão organizada pelo Agrupamento de Escolas Anselmo de Andrade em parceria com o AlmadaForma (centro de formação de professores). A Câmara Municipal de Almada, socialista, apoiou a iniciativa.

A comprovar a natureza «científica» e «neutralidade política» do encontro, a dirigir os trabalhos estava um socialista, Mário Rocha d’Ávila, Diretor Municipal do Desenvolvimento Social. Este não hesitou em demonstrar ao que vinha.

Tive o cuidado de enviar antecipadamente a sinopse, isto é, os tópicos da minha intervenção. No final da mesma (texto reproduzido em baixo), eu – professor, investigador, doutorado e deputado titular na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência – ouvi do dito Diretor Municipal do Desenvolvimento Social, com modos estalinistas, que a minha intervenção terminava ali. Não haveria debate. Retirou-me a palavra porque, na sentença do dito, limitei-me a «achismo político» e «ação partidária», entre outras boçalidades.

Tratada como curral eleitoral do dito, a plateia de cerca de cento e quarenta professores não foi sequer consultada. Sei que vivemos numa das mais repressivas ditaduras mentais de esquerda, mas tinha réstias de esperança no respeito pelo pensamento e pelo debate entre os professores, pelo menos a céu aberto.

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Se não é coisa pouca o silenciamento de um deputado eleito em eleições legislativas nacionais por um apparatchik socialista, a situação retrata o estado repressivo em que vivem os professores todos os dias nas escolas, razão para temerem a contratação de professores nas mãos desta KGB municipal. O sofrimento, depressões, frustrações, desmotivação entre os professores são fruto de décadas de repressão política pura e dura, pior ainda com a capa de «ciência da educação», metamorfose do velho «socialismo científico».

Sem microfone, não resisti a uma resposta de viva-voz ao apparatchik socialista acusando a esquerda de fazer dos professores o seu curral eleitoral. Saí do Auditório do Fórum Romeu Correia, em Almada, com a certeza de os professores que continuarem a aceitar rastejar submetidos à situação que hoje se vive nas escolas não são dignos da profissão que exercem. Resta-lhes perderem a vergonha de lutarem, dentro da sua escola, pela sua liberdade de pensar e dizer, pela sua dignidade enquanto pessoas, pela sua autonomia e sanidade mental, pela dignidade da profissão que representam.

Reproduzo o texto da minha intervenção:

«Gostaria que esta sessão fosse uma conversa de café entre professores. Mas para ser isso no final deve haver críticas, comentários, perguntas.

1.ª Ideia: «Quem manda na cabeça das pessoas manda nas sociedades»

Com a massificação da escolarização nas últimas gerações, o fundamental do destino das sociedades está nas mãos dos professores. Os professores são cerca de 150.000. Constituem o maior grupo socioprofissional. Estão presentes de forma homogénea por todo o país. Constituem o barómetro mais fiável das diferentes sensibilidades que constituem a sociedade portuguesa. Essas características dão aos professores um poder e uma responsabilidade tremendos. Estou a falar de um poder moral, intelectual, cívico, institucional, social.

Quando uma sociedade está em crise é porque o seu ensino está em crise. Há uma frase freudiana que diz:

O inferno somos nós! Cada um de nós! Ou seja, Portugal só vai melhorar quando os professores renovarem a sua cultura profissional.

2.ª Ideia: «O Ministério da Educação é um caso de gestão financeira danosa.»

Só os professores se podem salvar a si mesmos ou de si mesmos. Ao nível de salários e carreiras, os professores arrastam um sofrimento penoso há anos e anos. Este é um problema de cultura cívica. Os professores têm de dar o exemplo.

o ministério da educação é como se fosse uma TAP todos os anos. o ministério da educação tem um orçamento anual de cerca de 7 mil milhões.

Esse montante financeiro seria suficiente para: descongelar na íntegra as carreiras dos professores; por fim às quotas no acesso ao 5.º e 7.º escalões; apoiar os professores deslocados; recuperar o poder de compra dos professores; se há falta de professores porque os salários são baixos. Nada disso sequer poderia ter acontecido.

Também sabemos que os professores são quem mais se preocupa com os alunos. O orçamento da Ministério da Educação também serviria para: reforçar os apoios sociais aos alunos; apoiar os alunos do ensino especial ou do ensino da música; resolver problemas de edifícios escolares degradados e alunos ao frio; reduzir o número de alunos por turma; etc., etc.

O facto é que os professores nunca reagiram ao acumular de erros financeiros graves do Ministério da Educação. Dois erros resumem o problema.

Primeiro erro. O Ministério da Educação nunca esclareceu qual o valor efetivo e a percentagem dos cerca de 7 mil milhões de euros anuais que chegam efetivamente ao terreno, aos professores de sala de aula, alunos, escolas, famílias e qual a percentagem que fica presa nos órgãos intermédios do Ministério da Educação.

Está em causa o parasitismo financeiro daquilo que se designa por deep state. São órgãos parasitários intermédios dos ministérios que servem para: povoar de pessoal político, promover a burocracia, exercer funções redundantes, impedir reformas.

É preciso reformar ou fazer desaparecer alguns órgãos e atividades. Dou exemplos: Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) que tem de emagrecer; Instituto da Inovação Educacional (desaparecer quando essa é a missão das universidades); Conselho Nacional de Educação (CNE – já pedi a extinção por inúmeras razões); Plano Nacional de Leitura (será que se justifica?); Embaixadores disto e daquilo, equipas, planos e projetos disto e daquilo, etc.

Os professores podem e devem exigir responsabilidade financeira ao Ministério da Educação.

Erro segundo. Os currículos escolares são a outra fonte de desperdícios financeiros graves no ensino. Nos últimos cerca de 20 anos, os currículos escolares cresceram excessivamente: solicito a cada professor que compare os currículos atuais com os dos anos 80 e 90 e cada um que tire as suas conclusões. Os currículos ficaram piores e mais anárquicos e agravaram seriamente a despesa pública.

Mas há ainda um problema social não menos relevante. Os currículos absorvem de tal modo o tempo da crianças e adolescentes que os afastou das famílias e da sua inserção nas respetivas comunidades. As nossas comunidades têm cada vez mais clubes desportivos, escolas de música ou dança, atividades cívicas, escoteiros, associações, etc. que precisam de jovens para as suas atividades e eles faltam. Currículos extensos são inimigos da vida social.

Portanto, a dignificação salarial e de carreira dos professores tem muito a ver com a cultura profissional do corpo docente. Ela tem de se renovar.

3.ª Ideia: «Os professores salvam-se a si mesmos quando exigirem a separação entre a Educação e o Ensino».

A educação é da responsabilidade primordial da família. A educação tem uma carga predominantemente afetiva (amor/coração). O ensino é da responsabilidade primordial do Estado. O ensino tem uma carga predominantemente intelectual, académica ou técnica (conhecimento/razão/cabeça).

Família e Escola são as duas instituições nucleares das nossas sociedades. É por elas que passam todos os indivíduos. Se são duas instituições, logo são distintas e têm de ser claramente autónomas uma da outra, têm de assumir missões complementares na formação dos indivíduos e se as missões são complementares é porque não se confundem.

Professores e pais têm de ter papéis institucionais e culturais claramente diferenciados para serem ambos socialmente responsabilizados. Enquanto os próprios professores não exigirem essa separação, as sociedades vão continuar a sobrecarregar os professores de exigências próprias e alheias.

É preciso combater um padrão cultural que desresponsabiliza em excesso os pais no que diz respeito à educação dos seus filhos. É muito mais do que uma luta simbólica, mas o Ministério da Educação tem de passar a designar-se por Ministério do Ensino.

4.ª Ideia: «A burocracia está a enlouquecer os professores.»

A burocracia é a prova provada de uma classe política e de uma classe académica que nunca confiaram nos professores. Não há defesa da sanidade mental, a dignidade ou autonomia dos professores sem um combate drástico contra a burocracia.

Com metade dos professores em sofrimento físico e psicológico, a matéria não pode continuar a ser tratada com paninhos quentes. Grande parte da classe docente está desanimada, desmotivada ou descrente. Isto é uma hecatombe social sem precedentes históricos. Junte-se o sofrimento de polícias, médicos, enfermeiros, funcionários dos registos e notariado e temos uma sociedade em rotura mental.

São os professores e as escolas que nos podem salvar desta crise de sanidade mental. Isso faz-se rejeitando a burocracia em dois núcleos:

1.º Na regulação das atitudes e comportamentos dos alunos. O problema mais grave do ensino chama-se indisciplina que se está a converter-se em violência escolar manifesta. Isso é absolutamente intolerável. O Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei 51/2012) precisa de ser revisto para que nós nos libertemos burocracia e dos seus efeitos.

2.º A burocracia tem impacto danoso no sistema de classificação dos resultados escolares e, em geral, nas avaliações. Quando os próprios professores têm dificuldades de entender as lógicas das transições e reprovações dos alunos, estamos na era da anomia mental. A Constituição da República Portuguesa prevê a possibilidade de um referendo nacional ao sistema de classificação dos resultados escolares e aos exames nacionais. Não desperdicemos essa possibilidade.

5.ª Ideia: «Os Professores podem libertar Portugal da mais grave crise institucional de sempre».

A cultura profissional dos professores precisa de renovar a matriz de princípios cívicos. A sociedade e a instituição não se confundem. Só fazem sentido se forem opostos.

A sociedade é o espaço aberto onde tudo pode ser revisto, negociado, alterado. É o espaço pleno da Liberdade, Democracia, Participação Cívica, Ativismos, por aí adiante. A instituição só faz sentido se for o inverso. É o espaço reservado/fechado aos agentes internos. A instituição é o espaço de valores específicos como: hierarquia, autoridade e ordem.

As instituições existem por duas razões: cumprir uma função social específica delegada pela sociedade (ensinar) e regular as atitudes e comportamentos dos seus membros (alunos). Falhando um dos pressupostos falha o outro, falha a instituição. Quando estamos a falar de uma instituição nuclear, como é o caso da escola, estamos a falar do falhanço da sociedade inteira.

É tão errado pegar e valores institucionais de despejar para cima da sociedade: hierarquia, autoridade e ordem. Foi isso que fez o regime de Salazar. Deixou instituições fortes, mas uma sociedade falhada, reprimida, sem dinamismo; como é errado fazermos hoje o contrário. Hoje pegamos em valores da sociedade – democracia, liberdade, ativismos, etc. – e despejamos para cima das instituições.

Resultado: Portugal vive hoje uma crise institucional das mais graves de sempre. Essa crise é transversal ao ensino, família, saúde, justiça, economia, segurança pública, defesa, comunicação social, entre outras instituições.

Como é que essa crise se resolve? A solução dessa crise é tornar a escola uma instituição funcional exemplar. Depois a escola vai modelar as demais instituições. Para, é preciso devolver aos professores a hierarquia, autoridade e ordem. Compete aos professores exigirem que a Escola seja uma instituição exemplar.

6.ª Ideia: «A lei tem de proteger a autoridade hierárquica da palavra do professor».

É preciso renovar o contrato social do ensino. Por isso temos de rever o Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei 51/2012). O objetivo é refazer as relações de confiança mútuas entre a sociedade e os professores. Se a sociedade confiasse de facto nos professores, não havia indisciplina nem violência nas escolas.

Mas a fonte do problema não é a sociedade, é uma classe política que todos os dias boicota a autoridade dos professores através da burocracia. Os professores têm de fazer uma participação disciplinar escrita para poderem regular as atitudes e comportamentos dos alunos em sala de aula.

A burocracia joga sempre contra os professores. A burocracia favorece sempre os alunos indisciplinados e os pais que não os educam.

A sala de aula é um espaço de inúmeras interações simultâneas. Isso só pode ser regulado de forma direta, simples e imediata. Sem papéis. A lei impede os professores de atuarem de forma racional. É por isso que a lei tem de ser revista para passar a reconhecer explicitamente a autoridade hierárquica da palavra do professor. Na sala de aula, a palavra do professor e a palavra do aluno não podem valer a mesma coisa.

Até o mais iletrado sabe que no futebol a palavra do árbitro e a do treinador não valem o mesmo que a palavra do jogador. Os professores têm sido cobaias de todo o tipo de experiências pedagógicas absurdas. Os resultados desastrosos estão à vista.

Refiro, no entanto, que a burocracia é uma criação civilizacional notável. Ela serve para gerar momentos de introspeção ou reflexão entre os que prejudicam as instituições e os outros. A burocracia serve para gerar obstáculos a quem prejudica as instituições.

O sistema de ensino subverteu a burocracia — usa-a para criar obstáculos aos que querem que as instituições funcionem, os professores. É por isso que temos de remover a burocracia dos professores e remetê-la para os alunos mal comportados e respetivos encarregados da educação.»