Minha irmã me contou que, pela primeira vez em alguns meses, foi à rua com a minha sobrinha mais nova, de um ano e meio, em São Paulo. Disse que no rosto dela se estampou uma expressão que era um misto de encantamento e medo. Olhava, estupefata, para as pessoas, os cães, os carros, os prédios, como se não conhecesse nada daquilo. Foi só então, que me dei conta, de que quase um terço da vida dela tinha sido passado em confinamento.

Todos nós estamos com pressa de voltar – pelo menos em alguma medida – às vidas pré-2020. Queremos nossos passeios, bares, restaurantes. Queremos nossas rotinas, nossos abraços. E queremos, claro, que as nossas crianças voltem às suas vidas – viabilizando as nossas -, retomando suas escolas e seus comportamentos habituais. O quanto antes, certamente.

Mas vejo frequentemente pessoas, que não estão entendendo que o tempo não passou nas mesmas proporções para todos nós. Para as crianças, a quarentena durou muito mais tempo do que para os adultos. E podemos nos iludir, dizendo que elas aproveitaram muito a companhia dos pais em casa e que, no fim de contas, até gostaram desse estranho período sem escola e com tantas coisas novas. Ilusão.

Sim, elas podem ter aproveitado algum tempo de qualidade. Mas também foram confrontadas com muitos, muitíssimos, momentos de pouca qualidade. As limitações físicas e de espaço, a falta de sol e de terra, os conflitos entre os adultos, o inevitável contato com a pandemia e os constantes noticiários carregados de mortes e desgraças globais.

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Um dia, a minha enteada teve uma crise de choro por causa de uma caneta preta que não conseguia encontrar. Eu disse-lhe que uma caneta não merecia aquele choro. Mas que entendia, perfeitamente, que aquele choro era só uma forma de canalizar emoções represadas, que em nada se relacionavam com a caneta. E que era bom botar aquilo para fora. Mas não, não é fácil não perder a paciência por um choro supostamente imotivado.

Temos a obrigação de exercitar essa paciência. Muito mais do que o habitual. Tudo será mais delicado: o regresso às aulas, a readaptação, as relações com os amigos, com os professores. E tudo bem. Todos nós estamos reaprendendo a viver, em certa medida. Porque seria diferente com elas? Não exijamos delas, mais do que estamos exigindo de nós mesmos.

Quando a minha melhor amiga me mandou uma mensagem, contando que tinha ido com a filha de dois anos até ao mercado e que, ao longo do caminho, ela nem tentou tirar a máscara e, ao ver a mãe pegar o álcool gel na bolsa, foi logo estendendo as mãozinhas, ela não estava feliz pelo comportamento exemplar da pequena. Ela estava genuinamente triste. Não era essa, a vida que tinha imaginado para a filha. Não era essa, a vida que nenhum de nós imaginava.

A verdade é que as crianças se adaptam – até mais facilmente do que nós. E isso já é incrível. Não podemos pedir mais. Não temos direito nenhum de exigir mais. Que não peçamos a elas mais do que a capacidade de manterem a alegria no espírito – e as mãos limpas, sempre que possível. Isso já está para lá de bom. Respeitemos o tempo das crianças.