1. Ao fim de 30 dias de silêncio, Rui Rio assegurou este sábado na rentrée do PSD que não há ninguém no partido (e no país) que perceba mais de política do que ele, que a sua noção de timing para decidir e falar é infalível (mesmo na versão muda de Agosto) e que o PSD vai ganhar as legislativas e as europeias de 2019. Um homem superior e providencial, portanto.

Há só um pormenor chato que se coloca antes dessa tão óbvia vitória do PSD em 2019 e na chegada triunfal e apoteótica de Rio a São Bento como primeiro-ministro indigitado: falta um ano para as legislativas; convém começar a representar, de facto, o papel de líder de oposição. Porque se Rio foi líder da oposição nos últimos 9 meses, então estamos perante um fenómeno politicamente não identificado.

Se não vejamos. Rio foi eleito em janeiro com uma estratégia assumidamente anti-Passos Coelho. Colocou o liberalismo na gaveta, aproximou-se do PS para, qual missionário dos tempos modernos!, resgatar António Costa das garras dos extremistas do PCP e do Bloco. Consequentemente, firmou dois acordos com o Governo.

Na prática, esta ideia de que o PSD passou a ser uma espécie de muleta política de António Costa tem acompanhado estes primeiros nove meses do mandato de Rio.

Uma prova disso é que, perante a nova austeridade por via das cativações e da redução drástica do investimento público que tem provocado inúmeras dificuldades na maioria das áreas essenciais do Estado, não é o PSD de Rio que tem liderado a oposição. É claramente o CDS de Assunção Cristas — que é quem critica cara-a-cara o primeiro-ministro no Parlamento (onde Rio não está presente) e quem tem uma estratégia clara de oposição ao Governo de Costa.

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E não é Rio porque, como os seus seguidores não se cansam de repetir — como se da repetição nascesse um novo mantra político –, este, claro, é um político diferente. Despreza a política-espetáculo, vê os jornalistas como inimigos desde sempre e entende que tem de falar no “tempo certo” — e se há alguém que percebe de timing político, esse alguém é Rio, claro. O que tem duas consequência simples:

  • Rio fala quase sempre fora do tempo em temas que estão na agenda mediática e a sua mensagem não chega aos eleitores;
  • Logo, o PSD não existe. É essa a marca dos primeiros 9 meses de mandato.

2. Veja-se o caso da festa do Pontal, a tradicional rentrée política do PSD. Rui Rio é bem capaz de ter feito o discurso mais duro contra o Governo desde que foi eleito presidente em janeiro. Atacou os pontos certos, criticou de forma objetiva as consequências das cativações no SNS, descreveu as consequências sérias que isso tem para os cidadãos, constatou outras falhas graves na gestão do Estado, como o incêndio de Monchique. E atacou a incoerência de este Governo ser o mais à esquerda desde o 25 de abril e ser aquele que nos últimos anos menos investiu no Estado.

No campo económico, criticou, e bem, como o crescimento que Portugal está a ter está longe de ser saudável e tentou vender a ideia de que a economia portuguesa devia estar a crescer mais. De facto, há pelo menos cerca de 20 economias da União Europeia que cresceram e continuam a crescer mais do que Portugal.

O problema é que passou o último terço do discurso a falar para dentro do partido, atacando sem apelo nem agravo os críticos internos.

Para Rio, os opositores internos são todos uns malandros. Andam na comunicação social a criticá-lo a ele, homem com sentido de Estado de forma descabida, injusta e, acima de tudo, movem-se por interesses políticos e projetos de poder pessoal. Rio quer lealdade — leia-se: não quer ser criticado.

Temos de repetir o óbvio: Rio foi eleito com 54% dos votos; isto é, quase metade do partido não votou nele. O seu objetivo interno desde janeiro devia ser unir o partido — e não andar a exigir lealdade. Em vez disso, o PSD está a pensar em colocar ações em tribunal contra os candidatos autárquicos que tenham feito despesas de campanha eleitoral sem autorização da direção nacional.

Um partido desunido torna muito mais difícil a sua afirmação externa como candidato a primeiro-ministro e levará inevitavelmente os eleitores a perguntar: “se ele não consegue convencer o seu partido, como pode querer convencer o país?”.

3. Rui Rio tem um perfil político construído essencialmente como presidente da Câmara do Porto. Um homem do rigor orçamental e sem receio em tomar decisões impopulares que vão dar frutos a longo prazo, como se viu com as obras que revolucionaram a Baixa do Porto.

A grande questão reside em saber se uma estratégia bem sucedida a nível local é eficaz a nível nacional. É que, tendo em conta o sucesso orçamental que Mário Centeno tem conseguido, a mais-valia política do homem das contas certas esfumou-se. Ou seja, a principal qualidade política de Rui Rio não vale nada quando estamos perante um Governo que se prepara para atingir o défice zero. O que poderá o economista Rio acrescentar a isto? Só o superavit alemão, provavelmente estrangulando ainda mais o Estado inoperante que agora denuncia.

Por outro lado, o sucesso orçamental é um trunfo forte eleitoral para PS de António Costa ganhar votos ao centro. De uma assentada, os socialistas arrumam e silenciam as críticas de despesismo e balbúrdia orçamental que a Direita costuma associar aos socialistas.

A segunda grande dificuldade política de Rui Rio é que os eleitores não conseguem perceber o que diferencia os social-democratas do PS. Essa é a grande consequência da sua aproximação aos socialistas. Ou seja, o eleitorado não consegue identificar um projecto próprio e diferenciador no PSD de Rio.

É por isso que Rio tem de reinventar-se como político mas acima de tudo tem de passar os próximos 360 dias a mostrar aos portugueses o que o diferencia de António Costa e o que pode o PSD fazer de diferente do PS para melhorar a vida dos portugueses.

Com sorte, o surgimento da Aliança de Santana Lopes até pode ser uma espécie de desbloqueador dessa diferenciação. Duma coisa, contudo, Rio não se safa: terá de começar a ser o líder da oposição, como é sua obrigação enquanto líder do PSD.