Sempre houve dúvidas acerca do euro. Dúvidas políticas: é o euro o remate de um mercado único, ou o começo de um Estado europeu com ambições de ultrapassar as nações históricas? Dúvidas económicas: estarão os regimes europeus suficientemente sintonizados para poder partilhar uma mesma moeda?

Há dúvidas. Mas não há certezas, ao contrário do que tentam fazer crer agora os militantes anti-euro, mesmo quando se pretendem realistas, como o estimável professor João Ferreira do Amaral. De facto, não há nada mais parecido com os eurófobos de agora do que os eurófilos de há vinte anos. Há vinte anos, uns diziam-nos que dentro do euro, nunca mais haveria problemas, que os défices externos seriam uma preocupação do passado, etc. Agora, outros dizem-nos que fora do euro nunca mais haverá austeridade nem desemprego, etc. Para uns e outros, o almoço é sempre grátis.

É verdade: o euro exige reformas e austeridade; mas o novo escudo, para evitar reformas, só poderia trazer ainda mais austeridade. Simplesmente, não se chamaria austeridade: chamar-se-ia desvalorização cambial e inflação.

Todos podemos ver os custos do euro. E essa é a vantagem do euro. Porque de um novo escudo, os custos estariam escondidos. Não seriam menores. Seriam apenas menos transparentes. O euro empobrece-nos com cortes e impostos: recebemos menos. Um novo escudo empobrecer-nos-ia com a sua desvalorização: receberíamos nominalmente até mais, mas realmente cada vez menos, à medida que os nossos governantes precisassem de reequilibrar o barco. Em quinze anos de euro, tivemos uma assistência internacional (2011). Mas nos dez anos de democracia antes da adesão à CEE, tivemos duas (1978 e 1983), além de uma das inflações mais virulentas da Europa ocidental.

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A moeda não é uma mera questão de tecnologia financeira. Também não é uma questão para ser discutida em abstracto, em termos de “soberania”. O euro é uma questão política, para ser examinada num contexto preciso. Hoje e aqui, o euro tem um significado: mesmo com todas as dúvidas, representa neste momento a opção – o que, note-se, não é a mesma coisa que a possibilidade — de desenvolver Portugal através da capacidade dos seus empresários e trabalhadores para competirem nos mercados internacionais, com tudo o que isso implica de maior abertura e flexibilidade do regime económico. É por esta razão, e não por uma qualquer objecção técnica, que Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa estão contra o euro. Tal como Marine Le Pen em França.

A austeridade do euro subtraiu-nos rendimento? É verdade. Mas subtraiu abertamente, por meio de decisões discutidas e votadas no parlamento e examinadas no tribunal constitucional. O governo teve de dar a cara pelos cortes e pelos impostos, perante os cidadãos. Um novo escudo seria o regresso a uma política de expropriação pela socapa. Através da inflação, os governos poderiam comprimir salários, reduzir pensões, anular subsídios e saquear poupanças sem passar pelo parlamento ou pelos tribunais. Os reformados e os mais pobres – isto é, aqueles com menos poder de reivindicação — estariam entre as suas principais vítimas.

O euro deu-nos esta coisa extraordinária na nossa história recente: uma moeda estável em democracia. E isso é fundamental para um regime democrático, porque não existem verdadeiramente direitos e garantias onde um governo, através das impressoras da casa da moeda, pode enganar e espoliar os cidadãos, confiando na “ilusão monetária” para se esquivar a debates. Não sabemos se o euro vai acabar. Mas se por acaso acabar, e dada a nossa história monetária, deixará certamente saudades.