Uma parte significativa dos problemas de saúde depende da alimentação. Apesar de sermos um País de dieta mediterrânica, dados recentes da OMS estimam que em Portugal, em 2030, cerca de 27% dos homens e 23% das mulheres sejam obesos e cerca de 32% das crianças com 11 anos tenham excesso de peso. Acresce que a ingestão média diária de sal na população portuguesa é de 10,7 gramas/dia, quando não deveria ultrapassar os 5 gramas diários.

Sob o pretexto de intervir na Saúde Publica, a aplicação de “fat taxes” — uma cobrança fiscal adicional sobre a quantidade de gordura, sal ou açúcar — tem sido apontada como uma medida útil para estimular a diminuição do consumo de alguns produtos potencialmente associados ao aparecimento de doenças tão variadas, como a obesidade, hipertensão arterial, enfarte do miocárdio, AVC, cancro e cáries dentárias. Nesta linha de raciocínio surgiram notícias, mais tarde desmentidas e em seguida ressurgidas, de que o Governo se prepararia para revisitar a possibilidade de taxar especificamente alguns alimentos e bebidas de forma a contribuir para modificações de consumo que privilegiassem escolhas mais saudáveis.

Considerando que o interesse de taxar é quase sempre maior do ponto de vista da receita fiscal do que pelo impacto na saúde pública, a discussão sobre “fat taxes” está presente em diversos países europeus e mantém actualidade. Torna-se necessário, em primeiro lugar, avaliar a influência desta medida junto do consumidor, e saber se mudanças no consumo, resultantes de um imposto sobre alimentos, acontecem em medida suficiente para poderem conduzir a melhorias de saúde pública, considerando valores de taxação ainda dentro do comportável e sem a intenção de eliminar uma gama inteira de produtos. A verdade é que as avaliações efectuadas são, muitas vezes, cientificamente inconclusivas ou contraditórias, como se pode ler na publicação do ECSIP Consortium, The competitive position of the European food and drink industry, de Fevereiro deste ano, e no relatório da Comissão Europeia Food taxes and their impact on competitiveness in the agri-food sector, de 2014.

A evidência compilada em meta-análise (Cabrera Escobar et al. BMC Public Health 2013, 13:1072), sobre taxas em bebidas com açúcar adicionado, apesar de confirmar a redução de consumo em função do aumento de preço e até sugerir o desvio para a compra de leite e sumos de fruta, não vai mais longe do que admitir que “medidas fiscais poderão levar a reduções modestas no peso da população”.

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Redução de consumos de determinados alimentos não tem relação linear com diminuição da obesidade. Em boa verdade, não descurando o papel financiador para o SNS que, por exemplo, uma taxa adicional sobre refrigerantes com açúcar pudesse vir a representar, num contexto de elevado IVA e de consumo já retraído por questões de ordem financeira das famílias, o real valor sanitário dessa taxa seria, muito provavelmente, despiciendo.

A ausência do conhecimento sobre o impacto específico de taxas alimentares nos grupos etários alvo também concorre para que os efeitos sejam limitados na melhoria da saúde dos maiores potenciais consumidores. Além do mais, taxas aplicáveis sobre composições de alimentos esbarram sempre na dificuldade de definição dos limites acima dos quais deve haver cobrança de taxa ou sobre o tipo de alimentos a serem alvo dessa taxa e a tipificação dos produtos a taxar.

Note-se que uma taxa que conduza a uma redução significativa do consumo, como se deverá pretender com o tabaco, ao ponto de poder determinar, a longo prazo, ganhos em saúde, implicará desemprego e outras reconfigurações do mercado de trabalho e da economia que conduzirão a prejuízos, com impacto deletério na saúde, antes de se verificarem os ganhos. E nem sequer é certo que a aplicação de taxas alimentares conduza necessariamente a uma reformulação da composição do produto para o tornar mais saudável.

Mais ainda, a redução de receita de IVA, se a taxa suplementar levar a reduções significativas de consumo, poder ter um impacto líquido negativo sobre as receitas do Estado. E, claro está, uma taxa adicional cria problemas de comércio transfronteiriço e poderá estimular o contrabando… até de presuntos. Isto, se os produtos artesanais forem taxados, sendo eles quase sempre salgados, incluindo a doçaria tradicional, quase sempre mais doce do que os refrigerantes disponíveis no comércio. Teríamos a taxa do pastel de nata?

Igualmente, taxar a “fast food”, em vez de intervir sobre a composição das refeições de baixo custo, contém o risco de afastar um grupo importante de pessoas da única fonte calórica nutricional que ainda possam adquirir. Haveria mesmo uma contradição face à decisão de terem reduzido o IVA da restauração, sem nenhum benefício para o consumidor, para depois aumentar o custo de alguns alimentos ou refeições.

Ora, não sendo certo que com taxas adicionais sob alimentos, se conseguirá o desiderato de combater a obesidade e fomentar a actividade física, defende-se que temos, portanto, de considerar intervenções alargadas de foro multissectorial que envolvam todos os parceiros.

Vejamos um exemplo. Numa cultura gastronómica muito própria, tradicionalmente com uso excessivo de sal, há que registar positivamente as boas práticas redução da ingestão nos últimos anos (1,7 g), numa tendência a aprofundar e que merece o consenso de todos os intervenientes, Governo e Administração, indústria, restauração e consumidores, iniciativa reforçada pelo XIX Governo Constitucional que deu, igualmente, origem ao Guia das Boas Práticas da Restauração.

É, seguramente, com políticas governamentais e atividades intersectoriais, em linha com “Saúde 2020”, que se promove um compromisso ético com a indústria; que melhor se protege o consumidor através de rotulagem facilmente perceptível e com informação calórica e de composição, nomeadamente em sal, gorduras e açúcar, correta sobre cada alimento processado; que se informa com cuidadosa publicidade e marketing; se reforça, quando necessário, alguma particularidade legislativa; se promove alimentação adequada nas escolas; se educa e ensina sobre alimentação saudável, valorizando a atividade física contínua e os estilos de vida saudável. Será esta a política coerente e de futuro, para quem se preocupa verdadeiramente com a saúde dos seus cidadãos, como constataram inúmeros países que repensaram e acabaram por eliminar taxas que não demonstraram ter valor acrescentado para a saúde das populações. Coisa diferente da aplicação de taxas adicionais é a modelação do IVA, como já acontece em Portugal, separando alimentos de importância primordial daqueles que não são vitais.

Taxas sobre alimentos não devem contribuir para a substituição do produto taxado por outros de idênticas características, eventualmente mais nocivos, nem podem estar imbuídos por uma perspectiva regressiva que afecte as classes mais desfavorecidas. Exemplifiquemos com a extinta “fat tax” dinamarquesa, que quanto a alterações dietéticas a longo prazo, teve pouco ou nenhum impacto e não cumpriu o seu propósito, ao mesmo tempo que redundou em efeitos negativos na inflação, compras transfronteiriças, desemprego, levando mesmo a elevados custos administrativos para a sua aplicação.

São, pois, cada vez mais necessárias políticas positivas e activas que a todos comprometam numa alimentação saudável que valorize qualidade de vida, que sejam coerentes e construtivas, social, cultural e economicamente justas, que desenvolvam relações de compromisso com a indústria, sensibilizem a restauração, se preocupem com o consumidor, informem, monitorizem e avaliem numa perspectiva do futuro saudável dos seus cidadãos.

Estamos comprometidos com os objectivos da OMS, enunciados em 2013, de reduzir em 30% a ingestão média de sal diário até 2025, e foi nesse sentido que em 2015, por iniciativa conjunta dos Ministérios da Agricultura e da Saúde, foi criado um grupo de trabalho para estudar mais intervenções conducentes à redução do consumo de sal. Seria bom que, ainda antes de criarem mais outra comissão, as medidas propostas por esse grupo pudessem ser implementadas e avaliadas. Mais um imposto, mesmo com declaração de bondade sanitária, parece revelar que ao Governo, fruto da sua política económica, pouco mais resta do que sucessivamente ir inventando formas de nos ir tirando poder de compra e, também por essa via, liberdade de escolha.

Precisam de mais uma taxa para mitigar o descalabro financeiro e a sistemática acumulação de dívidas do “renascido” SNS que não conseguem reformar? Paciência, mas não nos queiram convencer de que o aumento de preços de bens de consumo será só para tratar da nossa saúde.

Fernando Leal da Costa foi ministro da Saúde do XX Governo Constitucional
Nuno Vieira e Brito foi secretário de Estado da Alimentação e Investigação Agroalimentar do XX Governo Constitucional