Depois ter assistido integralmente às mais de 20 horas das audições parlamentares de Frederico Pinheiro, Eugénia Correia e João Galamba, continuo sem saber que país aconselho aos meus filhos para emigrarem. Enquanto não decido, resolvi fazer um exercício filosófico que partilho com o leitor. Consiste em decidir previamente que tudo o que o Ministro e a sua chefe de gabinete dizem é verdade, enquanto tudo o que o ex-adjunto diz é mentira. A partir daí, construo várias cenários alternativos.

Nesta premissa, mesmo quando as versões de Galamba e de Eugénia se contradizem, isso explica-se por lapsos normais causados pela adrenalina daquela noite, tudo com boa-fé.

Portanto, o que se passou foi o seguinte: durante quase um mês, o adjunto do Ministro jurou que não tinha tirado notas na reunião entre deputados do PS e a CEO da TAP. Só admitiu que as tinha em cima do prazo de envio de documentação à CPI. Mesmo assim, protelou a sua entrega e fê-lo num suporte digital inadequado. Por essas razões, foi despedido por telefone, numa chamada em que ameaçou de pancada o Ministro. Depois disso, desobedecendo a ordens directas, foi ao Ministério buscar o seu antigo computador de trabalho, ao qual já não tinha direito. Para o conseguir, agrediu várias ex-colegas.

Posto isto, avanço 4 hipóteses de trabalho:

  1. Frederico Pinheiro é incompetente. Sempre foi e toda a gente sabia. Daí terem-lhe perguntado insistentemente se ele não tinha tirado notas na tal reunião com a CEO da TAP. É o que se faz a um tontinho. Não era bem um adjunto, era um adjumento. Apenas um incapaz é que só se lembra à última hora de uma coisa sobre a qual está a ser questionado há semanas. E, mesmo assim, consegue atrasar-se na entrega.

O que levanta uma questão: como é que se explica a confiança depositada num palerma de tão elevado coturno? Como pode estar no computador deste palonço a única cópia do Plano de Restruturação da TAP existente em todo o Ministério das Infraestruturas? Quando João Galamba precisava de o consultar, quem limpava a baba do teclado, lá deixada pelo lerdo Pinheiro? Se o Plano de Restruturação da TAP está ao cuidado de uma azémola destas, onde estará o processo do novo aeroporto? Rabiscado numa toalha de papel, dobrada em quatro e enfiada numa caixa de sapatos ao cuidado do bêbado residente da tasca ao lado do Ministério? E o do hidrogénio verde? Entalhado a canivete num sobreiro na vizinhança de Montemor?

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  1. Frederico Pinheiro odeia João Galamba e isto foi uma retribuição. Há 15 anos, Pinheiro tinha um blog chamado Quem espera sempre a pança, onde partilhava receitas de culinária minhota. Por vezes, apimentava os seus posts com algumas considerações políticas. Um dia, a propósito de cabrito à Monção, referiu que o melhor sítio para o degustar era um restaurante de beira de estrada que era “tão feio que podia ter sido um projecto assinado pelo Sócrates”. (Em 2008 era uma piada actual). Por causa disso, foi alvo da ira de João Galamba, na altura fiscal das redes sociais a favor do então PM, que lhe encheu a caixa de comentários de “filho da puta” e outros apodos. O desgaste de Pinheiro foi tal que a namorada se fartou da sua ansiedadezinha e terminou com ele. Pinheiro jurou vingança e planeou a sua carreira de forma a acabar por trabalhar para Galamba, só para o tramar, não se importando de para isso arruinar a sua reputação. Neste cenário, é possível que Pinheiro seja um duende malvado.
  1. Frederico Pinheiro aproveita a sua posição no Ministério e rouba segredos sobre a TAP, a CP, os cabos submarinos de telecomunicações, o hidrogénio verde, o lítio, e vende a potências estrangeiras e grandes empresas. Os milhares de fotocópias que, segundo Galamba, Pinheiro tirava a altas horas da noite, são a prova disso.
  1. Frederico Pinheiro é um agente duplo ao serviço de Pedro Nuno Santos, que aproveitou esta oportunidade para dar um golpe em António Costa e mostrar que as Infraestruturas funcionavam melhor com ele lá. João Galamba é vítima colateral da luta intestina pelo poder no PS.

Se, como postulei no início do exercício, Galamba diz a verdade, então é porque quer que acreditemos numa destas quatro alternativas. Ou que põe tolos em posições de responsabilidade. Ou que teve azar e empregou um tipo que não o grama e que, por pirraça, revelou várias mentiras do Ministro. Ou que autorizou a um espião o acesso a documentos secretos. Ou que, por tricas partidárias, o PS põe em causa o funcionamento do Governo e a integridade física de 4 ou 5 funcionárias públicas que se atravessem à frente.

Seja qual das quatro for, ao chamar a polícia toda e mais o SIS (só não chamou a AT porque, como se costuma dizer, a estupidez não paga imposto), Galamba atraiu a atenção para a bandalheira. Em vez de, como se espera de um político minimamente astuto, ofuscar a bandalheira. Ou culpar o Passos. A que estiver mais à mão.

Quando devia esconder, fazer pela calada, negociar com Pinheiro o seu silêncio, Galamba reage histericamente e aponta um foco à sua falta de jeito. Prefere que os portugueses saibam que mentiu sobre ter convidado a CEO para a reunião com os deputados do PS e sobre terem sido combinadas as perguntas. Prefere que saibam que só há um Plano de Restruturação da TAP no Ministério e é no computador de um tonto/diabo/espião/agente duplo (riscar o que não interessa). Que saibam que há um alto funcionário a tirar cópias à noite e a ter sabe-se lá que outros comportamentos suspeitos, tudo com o conhecimento do Ministro, que não desconfia de nada, provavelmente acha que tem um part-time na Staples. Que saibam que o Governo não hesita em recorrer aos serviços secretos para tratar de uma inconveniência. Que saibam que o Conselho de Fiscalização dos serviços secretos prontamente alinha no encobrimento. Qualquer coisa menos achar que Galamba é aldrabão. Isso é que seria desastroso.

A outra hipótese é ter sido Galamba a mentir e Pinheiro ser apenas um responsável e diligente funcionário que foi apanhado nas manigâncias do chefe. Sinceramente, como cidadão, é a hipótese que me deixa mais descansado. Prefiro um governante vigarista do que um governante inábil, ingénuo e pouco astucioso. Alguém que aja como Galamba garante que agiu nesta situação não tem capacidade para descobrir onde fica o actual aeroporto, quanto mais decidir a localização do futuro aeroporto. Não é um governante, é um governabo. Com estas opções sobre a mesa, admito que prefiro poder dizer “Tu roubas, mas fazes” a dizer “Tu não roubas, mas fezes”.