Continua o braço de ferro do PS para ser indigitado pelo Presidente da República (PR), com uns vagos papéis assinados pelo PCP, o BE e até o pseudo-partido dos Verdes no bolso, mas o Presidente não parece disposto a ceder. As pessoas mais apressadas têm de perceber que, traídas pelo PS ambas as soluções governamentais da política portuguesa dos últimos 40 anos, – isto é, um governo minoritário da Coligação PSD+CDS ou um governo maioritário do «bloco central», como eu prefiro em vez de uma falaciosa dicotomia entre «esquerda» e «direita» –, o país ficou sem governo credível e minimamente estável que dê continuação ao processo de ajustamento económico-financeiro à UE.

Ora, este é que é o problema e a pretensa «frente popular» não tem, obviamente, soluções para ele e nem sequer está interessada nisso, mas sim em repetir «slogans» contra uma «austeridade» que não sabe o que é na realidade. O actual PR já deu provas disso quando «suportou» – no duplo sentido: ajudou e sustentou – Sócrates durante seis anos, os últimos dois depois de perder a maioria absoluta e recusar aliar-se com quem quer fosse. Foi Sócrates que se demitiu perante o «chumbo» do chamado PEC4, após três PECs que Cavaco Silva ajudou a passar contra a crescente vontade do PSD, e só então o PR convocou eleições legislativas, ficando o PS três meses em gestão…

Nada disto teve que ver com «direita» ou «esquerda», mas sim com a bancarrota a que o PS tinha levado o país e a arrogância desmedida de Sócrates perante a convergência pontual entre os outros quatro partidos parlamentares. O PS podia ter-se aliado com um ou dois destes… mas preferiu ir à falência e deixar aos outros o encargo de resolver o problema! Cavaco Silva não pode consentir que algo semelhante se repita num momento em que já não possui a possibilidade de dissolver um parlamento por onde uma pretensa «esquerda unida» pretende esgueirar-se a fim de chegar ao poder!

A exigência de credibilidade e estabilidade governamental é, pois, inteiramente justificada. Aliás, se o PS tivesse ficado à frente da Coligação por meia dúzia de votos nas eleições de 4 de Outubro, teria sido indigitado sozinho com o apoio previamente anunciado da Coligação a fim de cumprir os mínimos europeus a que estamos obrigados, em particular numa conjuntura internacional extremamente adversa. É como quem diz: se Costa tivesse ganho seria de «direita», mas como perdeu é de «esquerda»…

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Ora, a verdade é que o PCP mantém o PS refém e Jerónimo ameaça uma vez mais com «a resposta democrática dos trabalhadores e do povo”, como sucedia durante o PREC, exacerbando a confrontação ideológica do mesmo modo que fazia contra o PS até há pouco tempo. Costa, porém, não é capaz de apresentar uma verdadeira «frente de esquerda», com programa comum e caras reconhecíveis. E não sou só eu quem pensa assim. Já citei Francisco Louçã, que queria o PCP e o BE no governo, assim como um programa comum link.

Mas tão pouco é só ele. De dentro do próprio PS, pessoas como o antigo ministro Paulo Pedroso diz em voz alta aquilo que as pessoas sérias pensam a este respeito das últimas exigências que o PR fez a António Costa: «A resposta que os partidos da esquerda podem dar ao PR seria a apresentação de um programa de Governo apoiado pelos quatro partidos», acrescentando que «a mais forte e definitiva era um Programa conjunto de governo, abrangente e subscrito pelos partidos que o apoiam”.

Nem mais: se e quando Costa apresentasse tal proposta ao Presidente, este não teria outro remédio se não indigitá-lo primeiro-ministro. Só que isso não vai acontecer e não é por falta de vontade do BE, como Louçã explicou! É do PCP, que promete apoiar o PS exclusivamente para correr com a «direita» e elenca mais algumas reivindicações impossíveis para disfarçar, como o salário mínimo a 600€ para amanhã de manhã.

Na minha opinião, o PS correria riscos demenciais se fizesse entrar o PCP no governo e estaria certo de ser derrubado na primeira ocasião em que tivesse de o afastar da governação. Porém, a vertigem aberta na política partidária portuguesa pelo fosso partidário entre as tais «esquerda» e «direita» era capaz de ser suficientemente forte para António Costa arriscar tudo por tudo. Se o não fizer, pode agradecer ao PCP, mas neste caso o Presidente tem motivos de sobra para não reconhecer os «papeluchos» assinados por cada um dos partidos de «esquerda» como base de um governo credível e estável na presente conjuntura nacional e internacional.

Politicamente, mais vale um governo de gestão praticamente manietado pelo parlamento e torpedeado pelas hostes sindicais da CGTP. O PR não o fez até agora, ignoro porquê, mas ainda está tempo de convocar o Conselho de Estado para ter uma conversa minimamente aberta sobre este assunto, que é o mais importante da política portuguesa dos últimos anos. Em função dessa conversa, o PR poderia eventualmente obter a colaboração generosa de um pequeno grupo de pessoas com peso e autoridade pessoais, desvinculadas da política partidária activa, para gerir o país até à próxima oportunidade de convocar eleições. O eleitorado julgaria em devido tempo!