Recentemente me encontrei com um casal de amigos que me contou que a primeira palavra da filha de um ano e meio foi álcool. Se não estivéssemos em meio a uma pandemia, o fato soaria muito mais estranho do que já soa. Comentei com eles que uma das atividades preferidas na minha sobrinha de dois anos e meio é limpar sua mesinha de plástico com álcool gel. E acredito que essa seja uma cena que se repete em muitos lares.

Ocorre que recentemente uma amiga minha de São Paulo teve um acidente com uma panela de pressão e foi hospitalizada com queimaduras graves. Felizmente ela se recuperou, apesar dos ferimentos e da dor. Todavia, ela me contou algo que me deixou assombrada: contaram a ela no setor de queimaduras do hospital que desde o início da pandemia o número de acidentes domésticos envolvendo crianças e álcool aumentou exponencialmente.

Foi então que eu percebi: a maioria de nós simplesmente se esqueceu de explicar para as crianças que o álcool pode ser um aliado ou um vilão. Nos preocupamos tanto com a necessidade de eles desinfetarem suas mãozinhas, apresentando-lhes o álcool em suas tantas versões como aquele que é capaz de derrotar o vírus, que acabamos não pontuando os perigos reais de uma substância inflamável.

Quantas vezes deixamos crianças com livre acesso ao álcool gel? Quantas vezes deixamos o álcool líquido em lugares acessíveis a elas? No tal hospital, em São Paulo, histórias como as de crianças que sofrem queimaduras graves depois de passar álcool nas mãos e tentar, na sequência, pegar algo no fogão ou na churrasqueira são assustadoramente corriqueiras.

Outro dia eu estava com a minha sobrinha e comprámos um pequeno brinquedo de plástico colorido para ela. Ao chegar em casa, a primeira coisa que ela fez foi borrifar álcool sobre o presente, cumprindo exatamente aquilo que ensinamos a ela: desinfetar as coisas ao chegar em casa. Ocorre que assim que ela o fez, a tinta do brinquedo automaticamente desbotou, escorrendo pelo papel que estava em suas mãos. Seu ar de surpresa e frustração foi gritante e eu automaticamente pensei “nós realmente só contamos metade da história do álcool às crianças”.

Precisamos, com alguma pressa, de contar a história toda acerca do álcool para os pequenos. Sem alarmismo, mas com responsabilidade. Explicar que é uma substância inflamável, que se torna ainda mais perigosa se aquecida, que pode provocar irritações graves nos olhos, que muitas vezes remove a tinta e vernizes dos objetos… Enfim, que não se trata de algo totalmente inofensivo. Passámos quase dois anos tão focados na mera sobrevivência, que nos esquecemos de coisas óbvias como essa. Façamos isso o quanto antes.

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