Pedro Nuno Santos arrisca estar para a segurança como Sócrates esteve para o equilíbrio das contas públicas: primeiro ignora o problema, depois ataca quem o denuncia e por fim, quando perder o controlo da situação, dispara em todas os sentidos enquanto espera que outros resolvam o problema.
Depois de Sócrates ter caído em desgraça e António Costa ter reconciliado o PS com as contas certas, os socialistas e muito particularmente a liderança de Pedro Nuno Santos têm agora nas questões de segurança o seu novo confronto com a realidade. Quer porque não percebem nem querem perceber que a segurança é vista como um factor importante por uma parte significativa do eleitorado, nomeadamente do eleitorado socialista, quer porque se imaginam num cenário eleitoral que já não existe.
Ironicamente enquanto o mundo socialista anda por aí entretido a repetir três vezes como quem faz um esconjuro que Montenegro está a procurar esvaziar eleitoralmente o Chega (o que não é mentira), não percebe que é com o eleitorado socialista que Montenegro interferirá caso o Pedro Nuno e a equipa não sejam capazes de dizer que o PS é o partido da segurança tal como Costa disse que o PS era o partido das contas certas. Não estou a dizer que muitos socialistas ou sequer alguns passem a votar no PSD de Montenegro por causa da posição deste último sobre a segurança, estou sim a afirmar que muitos não votarão PS ou não votarão simplesmente caso Pedro Nuno continue a comportar-se nesta matéria como se fosse Rui Tavares ou Mariana Mortágua. Ao colar o PS às teses woke sobre as rusgas policiais Pedro Nuno Santos teve likes na bolha mas perdeu votos nas urnas. Os erros socialistas em matéria de segurança são um bónus para Montenegro.
À semelhança do que aconteceu a outros partidos da sua área política por esse mundo fora, o PS pode tornar-se a próxima vítima da bolha. Afinal não há exercício que cause mais irritação no eleitorado que ver pessoas que não entram há anos num comboio suburbano, que vivem em zonas seguríssimas, que desconhecem os bairros sociais, que aquilo que conhecem de zonas com muitos imigrantes são as ruas onde procuram comida exótica e cujos filhos e netos há muito não frequentam escolas públicas a proferirem discursos de miss mundo sobre a violência das rusgas policiais com braços encostados à parede (existirão rusgas em que os revistados estão de mãos nos bolsos?) ou as falsas percepções de insegurança.
No lado de dentro da bolha onde todos pensam as mesmas coisas de esquerda, uma rusga policial numa rua onde vivem muitos imigrantes é uma violência. Para onde quer que se virem os socialistas só vêem, lêem e ouvem pessoas que pensam como eles: ” Mais de uma semana após a operação policial no Martim Moniz, a comunidade do Bangladesh que reside nesta área de Lisboa prepara-se para uma das suas celebrações mais importantes: o Dia da Vitória. Embora o momento seja de festa, muitos ainda não esqueceram a rusga da polícia ” escreve o Expresso naquele tom de beato-activismo que caracteriza boa parte dos artigos sobre imigração e segurança publicados em Portugal. Um activismo que leva a que se trate como violência uma rusga igual a tantas só porque esta teve lugar na Rua do Benformoso onde residem vários imigrantes e a ignorar os mesmos imigrantes quando estes são alvo de violências de máfias ou são assaltados como aconteceu esta semana na Amadora, onde um estafeta libanês foi assaltados por dois homens e uma criança.
O lado de dentro da bolha tornou-se a zona de conforto dos socialistas. Pode ser também o seu pântano fatal.
PS. O tiroteio em Viseu para lá da linguagem cifrada do costume dos clans, das rixas familiares e dos acampamentos, trouxe também a inevitável caça ao homem. “Montada caça ao homem” — afiançava a SIC. A CNN garantia “Caça ao homem após tiroteio em Viseu”. Na imprensa regional não há dúvidas: “Caça ao autor dos tiros em Viseu” (Diário de Viseu); “Montada caça ao homem. Suspeito do tiroteio em Viseu” (O Vilaverdense)… Existirão poucas expressões tão brutais quanto esta. Na animalização subjacente a este homem que se caça está implícita sua desumanização, a sua redução a uma espécie de alvo em movimento. As polícias não caçam homens. Perseguem-nos.