Marcelo Rebelo de Sousa, a 18 de Março de 2020, afirmou: “Ninguém vai mentir a ninguém. Isto vos garante o Presidente da República”. A 23 de Março de 2020, António Costa disse: “Não faltou nada e não temos nada que diga que irá faltar”.

Há qualquer coisa estranha entre as declarações que são feitas pelas autoridades portuguesas e os relatos daqueles que estão no terreno. Sempre que o Primeiro-ministro fala parece que o governo não foi surpreendido e que tudo está sob o controle. Será o mesmo governante que falou em luta pela sobrevivência? Para além disso, os relatos feitos pelos profissionais de saúde que estão no terreno contrariam António Costa e as restantes autoridades portuguesas.

Ora, se o Primeiro-ministro está a dizer a verdade e se tem, efectivamente, tudo sobre controle porque não se opôs publicamente ao Estado de Emergência e não se pronunciou veementemente contra a sua utilização? António Costa não queria a excepção por saber que, a partir desse momento, o Governo deixaria de ter desculpas e/ou margem para errar.

Tenho a sensação de que estamos a reviver o passado. Em 2017, nos gabinetes do governo tudo estava bem. No terreno vivia-se um caos. Esta afirmação é um exagero? Não. Basta recordar os casos anteriores e rever os antecedentes desta situação.

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A situação despoletada pelo COVID-19 tem uma dimensão específica? Claramente. Vai necessitar de ajustamentos? Indiscutivelmente. Mas a gestão de crises não é algo novo. E há pressupostos que devem ser aplicados em qualquer crise, independentemente do elemento de novidade. Ora, no que respeita à gestão de crises,  António Costa, invariavelmente e sistematicamente, usa sempre a mesma metodologia: prioriza o combate em detrimento da prevenção.

As autoridades portuguesas tiveram duas janelas de oportunidade, que não aproveitaram, para preparar a reacção ao surto epidémico associado ao coronavírus. A primeira ocorreu entre o dia 31 de dezembro de 2019 e o dia 20 de janeiro de 2020, datas em que a China reportava os primeiros casos e o seu alastrar aos países vizinhos. A segunda ocorreu entre o dia 21 e 31 de janeiro, período em que os Estados Unidos e a Europa registaram os primeiros casos.

Que fez o governo português? Só quando foram registados os primeiros casos em Portugal (62 dias depois da China e 31 dias depois da Itália), e após muitas contradições, é que houve alguma reacção. E mesmo assim, a resposta foi lenta, hesitante e inadequada. Nem queriam fechar as escolas!

As autoridades portuguesas agiram tarde e mal. Porque insisto nisto? Primeiro. porque não quero que voltem a cometer os mesmos erros. Para tal, é necessário ter humildade e reconhecer os erros. Segundo, porque as palavras do Primeiro-ministro demonstram não aprendizagem com o passado nem com a verdade.

Pedi e apoiei o Estado de Emergência porque entre responder a uma emergência de saúde pública ou manter em funcionamento a economia na sua plenitude escolho a primeira. Dei o benefício da dúvida, mas não admitirei mentiras nem um estado de excepção prolongado indefinidamente.

Após a declaração do Estado de Emergência, que foi apoiada sem votos contra na Assembleia da República, António Costa formou um gabinete de crise apenas com ministros do seu governo. Isto foi, na minha opinião, um erro. António Costa devia ter aproveitado para fazer um gabinete de crise nacional. Mas não o fez, optando por um critério exclusivamente político. Tendo em mente que a natureza desta crise é de saúde pública e não política ou ideológica, esta decisão é surpreendente e indicativa de demasiada preocupação com o combate político.

Como Portugal não lida apenas com a saúde pública, devendo igualmente acautelar a situação económica, é importante que a gestão da realidade e das suas circunstâncias seja adequada à mesma. E se o governo afirma que o COVID-19 é algo nunca visto e que requer novas medidas, então é necessário que não aplique o receitário habitual.

Para isso, é necessário transparência, honestidade e humildade. É essencial evitar ceder à tentação de utilizar esta crise para reengenharias económicas ou apoiar umas empresas em detrimento de outras, cedendo a lobbies e grupos de pressão. É igualmente urgente a implementação de medidas que sejam capazes de atender à aceleração das mudanças. Nesse sentido, três vectores devem ser observados:

  • A economia deve ser directamente apoiada sem a intermediação da banca;
  • A burocracia e os condicionalismos devem ser reduzidos;
  • Aceitar que não vai ser possível impedir choques estruturais em determinados sectores de actividade.

Medidas avulsas não resultarão. Principalmente na forma de empréstimos. Para reagir a esta crise é necessário um verdadeiro programa, como o que foi apresentado pela Iniciativa Liberal – Programa Nação Valente.

E também nunca resultará o recurso à mentira.

Professor Convidado EEG/UMinho