Quando o trânsito está lento na faixa da direita e é preciso esperar para ter acesso à saída pretendida, há sempre alguém que vem da faixa da esquerda e entra, assim, sem mais, corta e entra. Nós passámos meia hora no trânsito. Somos parvos. Estamos na fila. Eles são espertos. Especiais. Eleitos. Vivem num país com outras regras ainda que sob a aparência da mesma lei. Para nós meia hora. Para eles, uns minutos. Sem consequências.

É isto apenas, nada mais nem nada menos, o que se passa com a apropriação indevida de vacinas. Cortam. Entram. O proverbial chico-espertismo reproduz a hiper-evidência dos modelos de sucesso português, da banca à política e o seu impune darwinismo predatório.

Não há consequências quando a Justiça é lenta. Um exemplo. Passaram sete anos desde a prisão de José Sócrates. O caso irá a julgamento? Não sabe ele nem sabemos nós. Para um arguido é fundamental a integridade do seu bom nome. Tal como para a vítima de um crime é fundamental a reparação. E quando é o próprio bom nome da Justiça que é posto em causa, seja pela sua lentidão, ou no caso surpreendente da actual ministra da pasta que não se demite ainda que não tenha condições para continuar?

A moralização das instituições, quaisquer que elas sejam, tem como consequência não apenas a sua credibilidade, também a sua eficácia. As nossas expectativas. É, ou não será, matéria comum, um conjunto de critérios de avaliação de um concurso ser elaborado depois de conhecidos os candidatos, e uma presidente de câmara vacinar-se por ser voluntária? Quando, a despeito de possíveis virtudes e competências, os cargos são atribuídos por serviços havidos ou por haver às estruturas de poder, partidário ou outro, e se favorecem familiares ou boys e girls, é a anulação do mérito. É a máfia.

Em regra mais do que em cliché, a violência gera violência. A corrupção, corrupção. Mesmo que seja uma resposta ineficaz, porque, no imediato, gratifica. Não será, portanto, surpreendente que ao despautério de uma presidente de câmara, uma bastonária, uma figura também ela institucional pois dirige e representa a sua classe profissional, tenha a desfaçatez de responder chamando-lhe gorda fura-filas – uma herança trumpista ou de proximidade com Ventura que é igualmente dado a remoques físicos com ou sem baton.

O contrato social de Hobbes, actualizado por Freud, contempla-nos à luz da nossa verdadeira natureza: a moral é uma conquista da civilização, assenta em regras. Precisamos delas. E de outros modelos de sucesso. Civilizados. Morais.

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